A
criatividade dos “amigos do alheio” (como se dizia antanho para caracterizar os
que praticavam crimes patrimoniais) é inexcedível: sempre passando de uma forma
de atacar o patrimônio alheio à outra e sempre inovando, ao contrário do que
acontece em outras modalidades delituosas em que os meios de cometimento são
sempre os mesmos. Por exemplo, nos crimes contra a vida: os meios utilizados
são sempre a faca, a arma de fogo, a marreta e tantos outros conhecidos, embora
Nélson Hungria cite em sua obra “Comentários ao Código Penal” um meio inusitado
de matar alguém – provocar risos. O exemplo foi extraído do conto de Monteiro
Lobato “O engraçado arrependido” (vale a pena ler o conto – acredito que esteja
disponível na “internet”).
Já
os crimes patrimoniais sofrem ao longo do tempo uma metamorfose digna de um
conto de Franz Kafka. É certo que alguns desses crimes estão em franca
decadência, já que a habilidade e a lábia cederam lugar à truculência. Não se
fala mais em “punguista”, o famoso batedor de carteira: será talvez por que as
pessoas não mais transportam consigo dinheiro “vivo” e na carteira, preferindo
fazer os pagamentos com cartão de crédito? Ou por que em cada investida ao
bolso da vítima rendia uns poucos caraminguás? Tive uma oportunidade de presenciar um “punguista” em plena ação e ela se deu num ponto de
ônibus defronte a um cinema chamado “Cine Brasília”, que se localizava na rua
Regente Feijó, esquina de Barreto Leme: a pessoa nessa ocasião não obteve
êxito, porém no interior de um ônibus que trafegava pela avenida Senador
Saraiva ele conseguiu “bater” uma carteira de um passageiro e, para sua
infelicidade, foi visto e preso, sendo acusado do crime de furto qualificado na
modalidade “mediante destreza”.
Quanto
aos bancos – não que eles pratiquem verdadeiros delitos com os juros extorsivos
e as taxas estratosféricas -, os ataques dos “amigos do alheio” vão desde as
atitudes mais rudimentares até as mais sofisticadas, ora atingindo o patrimônio
do próprio banco, ora atingindo o patrimônio dos correntistas. A instalação de “chupa
cabras” em caixas eletrônicos, com isso obtendo a senha dos cartões dos
correntistas, demanda conhecimentos específicos, inalcançáveis por alguns, mas
que os larápios os detêm e utilizam em prejuízo do correntista. As “saidinhas” constituem-se em outra modalidade e nesta a vítima saca vultosa quantia e é abordada ao deixar o estabelecimento
de crédito pelos – geralmente são dois e de motocicleta – ladrões, que
pretendem, mediante grave ameaça ou violência, subtrair a quantia. Às vezes
resulta em morte da pessoa que, apegada ao dinheiro, resiste ao ataque,
pretendendo não entregar o numerário, configurando o latrocínio - roubo seguido de morte.
O
ataque aos caixas eletrônicos foi outra atividade que demonstra a metamorfose e ela mesma sofreu mutação:
inicialmente os ladrões – e aqui era uma quadrilha – usavam maçarico para abrir
o caixa eletrônico (eles diziam que “derretiam” o caixa). O “modus operandi”
era este: escolhida a agência bancária, a quadrilha postava-se, alguns nas
imediações, outros em seu interior; na porta era afixado um “banner” para ocultar o
clarão produzido pela chama do maçarico; e o soldador principiava o trabalho “cortando”
o local do caixa em que estavam as notas de dinheiro. O desafio era “derreter”
o artefato sem queimar as notas. Como isso demanda tempo e alto risco, houve
uma alteração, que consistiu no uso de dinamite: utilizando o explosivo, não se
perde tempo e, portanto, o risco é diminuído.
Adquirir
maçarico é uma atividade corriqueira, ao alcance de todos; porém, adquirir
dinamite, produto altamente controlado, e até pelo Ministério do Exército, é
vetado a quase todas as pessoas, e, no entanto, os ladrões conseguem obtê-lo
com alguma facilidade, de modo que algo está falhando nessa atividade e alguns
conceitos precisam ser revistos.
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