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Mortes de crianças e a síndrome do pensamento acelerado


 

      No prazo de uma semana três crianças foram esquecidas no interior de veículos e devido à alta temperatura, morreram. A primeira foi esquecida numa van usada clandestinamente para o transporte de escolares: a condutora foi ao salão de beleza enquanto a criança, que não era sua filha, literalmente era “assada” num calor inclemente. As outras duas crianças foram esquecidas, num dos casos, pelo pai, e, no outro, pela mãe; ambos os casos ocorreram no mesmo dia. Nos Estados Unidos, a cada dez dias uma criança é esquecida no interior de veículo e já foram encetadas campanhas chamando a atenção dos pais e responsáveis para o fato.
      A esse esquecimento deu-se o nome de “síndrome do pensamento acelerado”- SPA, associada (a síndrome) aos tempos atuais, em que as pessoas querem – por vezes devem – exercer várias atividades praticamente ao mesmo tempo, o que provoca estresse e, consequentemente, o esquecimento, que em alguns casos tem vitimado crianças. Óbvio que essas pessoas olvidam-se de outros encargos não tão fatais quanto o esquecimento que provoca morte, constituindo-se esta inclusive em atividade delituosa: crime contra a vida, homicídio, na modalidade culposa.
      Seja o esquecimento, como já se diz, motivado pela SPA, ou por qualquer outra desatenção, o fato se “encaixa” no tipo penal descrito no artigo 121, parágrafo 3°, do Código Penal, ou seja, homicídio culposo. A modalidade culposa de um crime – e não são todos os delitos que existem na forma culposa, muitos deles existem apenas na forma dolosa – ocorre quando o sujeito ativo, ao praticar a ação, foi imprudente, negligente ou imperito. Esta última tem sido reservada pelos doutrinadores aos profissionais e somente estes, então, poderiam ser responsabilizados por um crime culposo se ao praticar a conduta não tivessem a perícia suficiente para realiza-la. Por exemplo, um médico que provoca numa cirurgia a morte do paciente. As outras duas modalidades – a imprudência e a negligência – guardam muita semelhança entre si e as diferenças por vezes surgem em casos práticos, porém sempre demonstram uma desídia do sujeito que age.
      No caso das crianças esquecidas, fica óbvio que as pessoas foram negligentes na realização da ação e, por conta disso, devem responder pela modalidade culposa do crime de homicídio. Porém, o fato, no caso dos pais, atingiu o sujeito ativo de uma forma tão intensa que a sanção penal se torna desnecessária: ele já foi punido pela consequência, pois certamente carregará para sempre o remorso por esse esquecimento. Muitas vezes o casamento é desfeito e um cônjuge não perdoa o outro pelo evento.
      Sabiamente, o Código Penal prevê que em casos assim o juiz pode deixar de aplicar a pena e isto se chama “perdão judicial”, ou “caso de isenção de pena”. O processo tem o seu curso normal e, ao sentenciar, o juiz calcula a pena que seria aplicada, passando pelas três fases, e atingindo a pena final, definitiva, deixa de impô-la, “perdoando”, em nome do Estado, o acusado.    
 

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