Pular para o conteúdo principal

Um novo Brasil... e um novo mundo




      No aspecto jurídico, mais especificamente de Direito Penal e Processual Penal, o Brasil vive tempo de intensas novidades. É certo que muito do que está acontecendo hoje já existe na lei há décadas, porém a norma “vivia” como se estivesse num estado catatônico, pois não era aplicada.
      A corrupção passiva é considerada crime contra a administração pública no Brasil, para ficarmos apenas no código atual, desde 1940, e no entanto de uma época até a presente data, quando determinado partido político adotou-o como forma de governar, quando ela foi institucionalizada, e foram as malfeitorias descobertas, e punidas (vide “mensalão”), é que ela ganhou as manchetes da mídia. Porém, em matéria de Código Penal, muitas novidades vieram e a delação premiada, que alguns preferem chamar de “colaboração premiada”, foi uma delas: ela entrou no direito brasileiro no ano de 1990 por intermédio da lei de crimes hediondos. Depois vieram outras leis, como a de lavagem de dinheiro e de capitais, e outras mais.
      O Código de Processo Penal, que é do ano de 1941, já previa certas medidas, denominadas cautelares, que poderiam (ou deveriam) ser adotadas com relação aos bens que o criminoso auferiu com o delito. Em praticamente 25 anos de atuação como defensor público somente uma vez vi o Ministério Público adotar uma dessas medidas acautelatórias e foi justamente num caso de homicídio. A lei processual penal nesse ponto não foi modificada e se constata a ação de juízes criminais bloqueando bens e direitos, inclusive no exterior, de pessoas acusadas.
      Por falar em exterior, a Suíça é um caso à parte. Antigamente, todos os ditadores ladrões tinham conta em bancos daquele aprazível país europeu e o segredo das contas era algo que se tornou histórico. Pudera: a Suíça não tinha muito a oferecer, a não ser relógios, queijos e chocolates (além, é claro, de um dos maiores tenistas de todos os tempos, Roger Federer). Com grande parte de seu território tomada pelos Alpes (que é uma grande atração turística), a Suíça tinha a oferecer como produto a lealdade e o sigilo e isso há muito tempo. A guarda papal é feita por suíços e o sigilo bancário, com as famosas contas cifradas, era o maior produto a oferecer. Um sociólogo suíço, de nome Jean Ziegler, escreveu, no ano de 1990, um livro chamado “A Suíça lava mais branco”, cujo conteúdo lhe valeu um processo instaurado pelo Ministério Público que resultou em sua absolvição. A Suíça era uma grande “lavanderia”: ditadores cruéis, corruptos, governando países miseráveis tinham gordas contas naquele paraíso bancário e ninguém conseguia saber nada; por exemplo, Baby Doc, que sucedeu o seu pai no comando do paupérrimo Haiti. Rendendo-se aos novos tempos, a Suíça fez uma abertura em seu absoluto sigilo bancário e as suas autoridades têm colaborado e muito na repatriação de valores ali depósitos mas produzidos pela prática de crimes.
      Por conta dessas novas leis e da aplicação das antigas, pode-se dizer que vivemos num novo Brasil , por que não dizer, num novo mundo, já que o “país dos cantões” modernizou-se, abrindo parcialmente o enorme sigilo que recaía sobre as contas bancárias ali existentes.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...