Foi com muita pompa e circunstância, e até foguetório, que a “lei da palmada”, assim denominada por aquela parte da mídia ávida em colocar nomes (melhor dizendo: apelidos) em leis (lei Maria da Penha, lei Glória Perez e outras mais), foi sancionada, embora referida norma não tenha em seu texto a palavra “palmada”. Alguns mais (ou menos) criativos pretenderam colocar outro nome, “menino Bernardo”, e, para quem não sabe, é aquele garoto (na linguagem do sul, “guri”) que foi morto pela madrasta com (ao menos) auxílio do pai da criança. O epíteto é totalmente inapropriado já que o menino não sofreu uma palmada: ele foi morto.
A
“lei da palmada” alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (n° 8.069, de
13 de julho de 1990), inserindo os artigos 18-A, 18-B e 70-A. O 18-A proíbe que seja empregado castigo físico na educação
da criança e do adolescente, entendendo por castigo físico a “ação de natureza
disciplinar ou punitiva aplicada com uso de força física sobre a criança ou o
adolescente que resulte em: a) sofrimento físico; ou b) lesão”.
Antes
do Código Civil, portanto, aquele do ano de 1916, e, também, antes do Estatuto
de Criança e do Adolescente, a doutrina civil e a penal discutiam – e as
discussões eram acaloradas – discutiam se a violência física poderia ser
utilizada na educação dos filhos, e, indo além, até dos alunos. No final da
minha infância e início da adolescência tive a oportunidade de estudar em um
colégio administrado por padres da Ordem Premonstratense (antigamente chamada
Ordem de São Norberto, o mesmo nome do colégio a que me refiro) em que a
disciplina era baseada no castigo físico. O aluno surpreendido conversando ou
dedicado a outra atividade levava um sopapo na orelha; às vezes, mais de um.
Era comum outro castigo: mandar escrever páginas, no mínimo cinquenta. Se o
aluno protestasse, o número dobrava. Um diálogo:
Padre punindo:
cinquenta páginas.
Aluno contestando:
mas...
Padre aumentando o castigo:
cem.
E
por aí adiante.
O
Código Penal de 1940 – cuja Parte Especial vigora até hoje – trouxe como
novidade um crime chamado “maus tratos”, que, claro, ainda está em vigor. A
tipificação está no artigo 136: “expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob
sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de
alimentação, ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo
ou inadequado, quer abusando dos meios de correção
ou disciplina”, cuja pena é de 2
meses a 1 ano de detenção, ou multa. Trata-se de infração penal de menor
potencial ofensivo, abrangida pela lei n° 9.099/95. No parágrafo primeiro está
prevista a punição caso ocorra lesão corporal de natureza grave: 1 a 4 anos de
reclusão. No parágrafo segundo prevê a ocorrência de morte, com pena de 4 a 12
anos de reclusão. Na interpretação de alguns, esse artigo, que pune a violência
nos meios de educação, disciplina e correção, dispensa a “lei da palmada”.
Porém, a nossa tradição lusitana na forma de legislar sempre faz que exista
mais de uma lei tratando do mesmo assunto, o que produz um (aparente) conflito
de normas.
Em
mais uma episódio de intolerância policial contra afrodescendentes nos EUA, na
cidade de Baltimore um suspeito foi preso e “massacrado” pelos policiais, o que
provocou a sua morte. Durante o seu velório, espocaram protestos com destruição
de veículos e de construções, invasões de lojas e subtração de mercadorias (“saques”).
No auge de uma das manifestações, eis que surge uma mãe que, pela transmissão
da televisão, reconheceu um seu filho, embora ele estivesse mascarado, e tira o
adolescente do meio da turba debaixo de uma saraivada de tabefes, sob uma
tímida reação do seu filho. A cena foi filmada e amealhou algumas milhares de visualizações,
bem como um agradecimento do chefe de polícia da cidade. A mãe, cujo nome ainda
não se descobriu, revogou a lei da palmada (se é que lá nos EUA exista alguma:
duvido que sim...).
Pus-me
a imaginar: algumas palmadas no momento exato não devem fazer mal a ninguém.
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/04/video-mostra-mulher-brigando-com-menino-em-protestos-de-baltimore.html
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/04/video-mostra-mulher-brigando-com-menino-em-protestos-de-baltimore.html
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