Pular para o conteúdo principal

A indústria das multas de trânsito II




  
    Neste mesmo espaço, indignado com o que tinha me ocorrido, escrevi – e publiquei - um artigo intitulado “A indústria das multas de trânsito”, em que demonstrava – ao menos procurei fazê-lo – que a finalidade da legislação de trânsito vinha sendo desrespeitada, pois qualquer alteração que se faz no trânsito não é precedida de nenhuma campanha de esclarecimento, indo-se diretamente à punição, com a imposição de multa. Como gritante exemplo disso serve a colocação de radar de velocidade: a única campanha (se é que assim se pode denominar) que a precede é a colocação de placas advertindo que há ali fiscalização eletrônica; quando muito algumas faixas que distraem a atenção do condutor e como se neste país alguém lesse algum aviso. Não fica nesses locais em que antes não havia controle eletrônico de velocidade nenhum ser humano esclarecendo os motoristas sobre a alteração.
      A indústria tem outra face, que aparece quando o motorista está prestes a perder a habilitação pelo excesso de pontuação. A epopeia que enfrentei dá bem uma medida disso. Foi colocado, enquanto eu me encontrava no Exterior, radar numa via em que eu transitava somente aos sábados e domingos e ao transitar ali nos primeiros dias fui multado três vezes: a velocidade permitida era de 50 km/h e na aferição com a correção a velocidade do meu carro caiu para 51 km/h: foram 12 pontos no prontuário. Ocorre que na mesma ocasião a minha filha, cujo carro ainda estava em meu nome, sofreu outras três multas em outro local, não indicando o condutor porque as notificações não chegaram por conta de (mais uma) greve dos funcionários dos Correios e os 13 pontos me foram debitados. Total: 25 pontos.
      Notificado do processo de cassação da habilitação, eu tinha até o dia 26 de março para apresentar a defesa e como nessa data estaria fora do Brasil, preparei-a e pedi para uma pessoa entrega-la na Ciretran no dia 25 de março: foi a minha sorte que a entrega fosse feita na véspera do vencimento do prazo. Ao tentar protocola-la, foram feitas exigências que não constavam da carta de notificação: cópia das habilitações e reconhecimento de firma, por exemplo. Nem nas procurações “ad judicia”, aquelas mesmas que autorizam o advogado a pleitear em juízo em nome de outrem, podendo confessar, transigir, receber, dar quitação, se exige reconhecimento de firma, mas no documento em que a minha filha confessava que as três multas sofridas pelo veículo Honda Fit, do qual ela é, perante a seguradora, a principal condutora, ou seja, dirige-o mais de 85% do tempo, a Ciretran exigia o reconhecimento de firma. Cópia da minha carteira de habilitação num momento em que eu me encontrava no Exterior e para satisfazer essa absurda exigência tive que me valer de todas as modernidades (foto do documento, envio por e-mail e outras instrumentos).
      Depois de passar por essa saga, constatei que a indústria das multas de trânsito tem duas facetas: a primeira consiste por exemplo na colocação de radares de velocidade sem qualquer campanha de esclarecimento e a segunda somente surge quando o incauto está prestes a perder a habilitação e consiste num rol de exigências absurdas que, creio, fazem com alguns desistam de exercer o direito constitucionalmente garantido de se defender.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...