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Linchamento - A lei de Lynch




      Lynch teria sido (Charles) um coronel que durante a guerra de independência dos EUA matava os pró-britânicos. Outra versão diz que Lynch (William) era um capitão que manteve no estado da Virginia um comitê para a manutenção da ordem durante a revolução. Seja um, seja outro, ou um terceiro, de seu nome – Lynch – derivou a palavra linchamento, sempre ligada à ideia de várias pessoas matando sumariamente outra. A noção de linchamento porém não vem da turba assassina, mas sim da aplicação da pena – morte, geralmente – num “julgamento” sumário. Todavia, a ideia de multidão atacando alguém é que prevalece quando se fala em linchamento.
      No Brasil começa a tomar forma, e cada vez maior, o que deve ser motivo para preocupação, essa “justiça” sumária, ou “justiça com as próprias mãos”[1]: não são raros os casos em que as pessoas, nem sempre as vítimas, quase "lincham" o criminoso, quando não o matam. Fazendo uma contabilidade rápida, de seis meses a até esta data, aproximadamente uns cinco casos ocorreram. No fim do ano passado, um ladrão que roubou um celular de uma moça foi alcançado por algumas pessoas que lhe aplicaram violenta surra e depois o entregaram aos policiais. Nesta semana, um menor, com 15 anos de idade, suspeito de haver praticado furtos, foi apanhado, surrado, despido e preso a um poste com uma trava de bicicleta – à semelhança do que ocorria com alguns escravos no tempo do Brasil império. Em Belford Roxo, na baixada fluminense, um jovem foi morto com tiros na cabeça: em plena luz do dia, um dia de semana aliás, ele estava sentado na calçada (ao que parece) guardado por outros dois, quando estacionou uma moto e o garupa desceu de arma em punho e efetuou os disparos, três, na cabeça da vítima. Ao que se apurou, ele praticava furtos nas lojas da região e o matador era um “miliciano”.
      O que leva as pessoas, exceto esse matador (quase) profissional, a tomarem atitudes extremas como as aqui relatadas? Uma resposta fácil seria dizer “descrédito nas autoridades”. Porém, esta resposta é por demais genérica e abrangente. Uma certeza que se tem: o Brasil vive a maior crise moral de sua história, exemplos não faltam e o maior deles é o “mensalão”, em que o partido que governava o país, depois de 20 anos na oposição prometendo "ética na política", “comprava” partidos para que o apoiassem. Detalhes dessa sórdida empreitada são conhecidos de todos. O mesmo partido que detém o poder cria “bolsas” com fins eleitoreiros e como consequência cai o nível de procura de emprego – algo impensável.
      Como acréscimo, o ensino público – e, por que não dizer, também o particular -, que cada dia exige menos dos alunos, inclusive no campo da disciplina, criando verdadeiros analfabetos funcionais que mal sabem desenhar o nome. A ordem do dia é “aprovar a qualquer custo”, mesmo que se despeje na sociedade um exército de ignorantes.
      A criminalidade patrimonial toma ares camaleônicos, com a criação de modalidades de ataque aos bens alheios: arrombamento de caixas eletrônicos com maçaricos, arrombamento com dinamite, “saidinha” de banco, “gangue da marcha ré”, “arrastões” em restaurantes e muitas mais, como, por exemplo, incêndios em ônibus. Passaram-se 39 dias do ano e foram, somente em São Paulo, incendiados 42 coletivos. Será difícil um planejamento para reprimir tudo isso?
      Somando tudo isso, essas manifestações podem ser vistas como a expressão da perda de confiança naquelas pessoas jurídicas que deveriam zelar pela segurança e tranquilidade, com os cidadãos optando por essas atitudes extremas, a da "justiça com as próprias mãos", pois esta "justiça" sempre descamba para a injustiça.




[1] . No Código Penal há um crime chamado “exercício arbitrário das próprias razões”, descrito no artigo 345, cujo teor é o seguinte: “fazer justiça pela próprias mãos para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”.

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