Postei,
dias atrás, neste espaço, um texto acerca de algumas ações – e eram poucas até
então – que a mídia convencionou chamar de “linchamento”[1];
porém, houve um “boom” nessas ocorrências. A “praga” do momento – os tais “cientistas
sociais”- escreveram incontáveis textos
tentando interpretar o significado dessas ações, mas, a meu ver, como escrevi
alhures (como gostava de dizer Nelson Hungria), várias são as causas de tais “justiçamentos”
(algumas pessoas são pagas para cometê-los).
Uma
das causas seguramente é a ousadia dos criminosos, especialmente aqueles que
atacam o patrimônio alheio, nas suas diversas modalidades. A razão dessa
ousadia, uma delas ao menos, é a ineficiência da repressão criminal. Segundo o
artigo 59 do Código Penal, ao fixar a pena na primeira fase[2],
em que ele analisa as circunstâncias judiciais, deve levar em conta a quantidade
que seja necessária e suficiente “para reprovação e prevenção do crime”. Este
ato judicial, todavia, é o penúltimo que o Estado pratica: antes, um órgão do
Poder Executivo (polícia) deve ter investigado no afã de descobrir quem foi o
autor do ilícito – e é aqui que reside a maior ineficácia. Uma das razões desta
ausência de eficácia é o descaso governamental – afinal, os nossos governantes
estão mais preocupados em fazer política[3]
(no mau sentido da palavra) do que aplicar recursos na educação, saúde e
segurança pública, as três maiores aspirações de todos os brasileiros.
Vou
dar dois exemplos da ousadia dos ladrões: no dia 19 de fevereiro, por volta de
13 horas e 40 minutos fui estacionar meu carro na avenida Aquidabã, uma quadra
antes do prédio da Justiça Federal; ao lado direito da vaga (ali se estaciona
em diagonal) havia um carro preto, Celta ou Corsa, não sei ao certo. Quando
estava quase estacionado, surgiu uma pessoa vestindo boné, camiseta de time de
futebol (e não era do Corinthians...) e bermuda, o que me fez logo pensar que
se tratava de um vendedor de talão de zona azul. Não era: era um ladrão.
Debaixo das minhas vistas, ele quebrou o vidro direito do Celta e enfiou a mão
dentro do veículo. Imediatamente, indignado, sem desligar o motor, desci e fui
em sua direção. Ele “se tocou” e saiu apressado, ao que eu gritei o tradicional
“pega ladrão”, o que fez com que ele saísse em desabalada carreira.
Menos
de 12 horas depois, por volta de 1 hora e 15 minutos do dia seguinte, quando quase
pegava no sono, ouvi um alarme de carro disparar. Corri para a sacada e vi um
ladrão (vestia boné, bermuda e moletom, embora não estivesse frio [talvez para
ocultar uma arma]) que havia acabado de abrir um carro estacionado na rua Presciliana
Soares quase esquina da Coronel Quirino. Embora o alarme estivesse tocando, ele
estava com meio corpo no interior do veículo, talvez procurando algo de valor,
saindo em seguida calmamente. Detalhe da ousadia: o local é bem iluminado e o “locus
delicti” dista uns 30 metros de duas portarias de prédios, o em que eu moro e o
vizinho. Não me contive e grite “pega ladrão”. Ele olhou para cima e continuou
andando calmamente – não se abalou.
O
que os leva a atuar com tanta ousadia é a quase certeza de que nunca serão
alcançados pela “longa manus” do sistema punitivo, porque, principalmente, eles
não tiveram educação para respeitar as leis (não somente as penais): depois de
assistir a esses dois atos atrevidos, pensei no meu tempo de criança e
adolescente na minha terra natal – embora não estivéssemos fazendo nada errado,
a simples menção à palavra “polícia” nos fazia tremer de respeito.
[1] .
Pelo menos parcialmente a mídia tem razão, pois, ao contrário do que muitos
pensam, o que caracteriza o linchamento não é o número de pessoas – uma turba –
“justiçando” alguém, mas sim o aspecto sumário do “julgamento” – se é que assim
metaforicamente se pode chamar.
[2] .
O sistema de aplicação da pena é trifásico: nas outras duas fases o magistrado
analisa as circunstâncias (agravantes e atenuantes) legais (ou obrigatórias) e
na terceira as causas de aumento e diminuição.
[3] .
Por exemplo, o número de ministérios: 39. A Suécia tem 11.
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