Pular para o conteúdo principal

Um novo paradigma da advocacia criminal


 

      Passei muitos anos de minha vida profissional – e até antes de me formar em Direito e obter a minha inscrição na OAB – ouvindo aquela história, que mais parecia lenda urbana (ou judiciária, no presente caso), de que a amizade do advogado com o juiz que julgaria a causa poderia ter alguma influência na decisão judicial, obviamente favorável à parte representada pelo “amigo”. É certo que se o juiz for amigo íntimo da parte, de qualquer das partes, ele deverá declarar-se suspeito e se não o fizer a suspeição poderá ser requerida pela parte contrária, conforme dispõe o Código de Processo Penal, especificamente nos artigos 95 e 254. Porém, como visto, os artigos referem-se à “parte”. Outra lenda judiciária dizia – e, em alguns locais, diz ainda – que se o advogado contratado fosse um “figurão” meio caminho já estaria percorrido: o sucesso seria quase certo.
      Tal lenda judiciária perdurou até recentemente e passou a cair por terra com o julgamento da Ação Penal n° 470, o tão famoso “mensalão”. Quase todos os réus contrataram pesos-pesados, inclusive ex-ministros da Justiça, e um deles proclamava nunca ter perdido um caso sequer (advogado criminalista tem semelhança com pescador: mente um pouco...), mas ele havia, sim, perdido alguns casos, um dos quais o processo do ex-promotor de Justiça Igor Ferreira da Silva, condenado por ter matado a mulher, que era advogada e estava grávida. Embora tivessem os réus do “mensalão” em suas defesas advogados figurões e até amigos de alguns ministros do Supremo, a “sapecada” foi geral: todos foram condenados e a penas altas (o STF derrubou o mito da pena mínima, entre outros). Para alguns restou o recurso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, num claro exercício do “jus sperneandi”... O único advogado que obteve relativo sucesso em seu trabalho foi o que defendeu dativamente um dos réus, um "zé ninguém".
      A desconstrução do mito judiciário prosseguiu e com toda a força no processo referente à operação “Lava-Jato” (segundo Ruy Castro, o nome correto deve ser “lava-a-jato”, que representa a ideia com que os envolvidos “branqueavam” rapidamente o dinheiro – alto – que recebiam a título de propina, pois “lava-jato” dá ideia de uma empresa que lave jatos, no caso, aviões...). Nunca se viu tantos empresários engaiolados e sendo defendidos por advogados figurões, que continuamente têm recorrido aos tribunais por intermédio de pedidos de “habeas corpus”, infrutiferamente. Alguns desses empresários já cumprem mais de dois meses “vendo o sol nascer quadrado” de uma cela da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba sem que exista o menor sinal de que serão postos em liberdade.
      A existência de tais mitos – e não foram sempre somente mitos, havendo, como sempre um resíduo de verdade – contribui para o descrédito da justiça, e, o que é mais grave, violam o princípio, tão caro ao Estado Democrático de Direito, da igualdade de todos perante a lei (e a justiça, claro). O desfecho do processo referente ao “petróleo” certamente continuará contribuindo celeremente para a desconstrução dos mitos.  
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...