A legislação constitucional, bem como a processual-penal, permite que o acusado de haver praticado um crime possa permanecer em silêncio quando for ouvido na fase de inquérito policial ou mesmo em juízo. O ministro (do Supremo Tribunal Federal) Nélson Hungria, cognominado “príncipe dos penalistas brasileiros”, há quase meio século apregoava que o direito de defesa compreendia o direito de mentir. Quando fez esta observação, ele tinha os olhos postos na legislação de então (melhor seria dizer de “antanho”), ou seja, da década de 40 (registro que o Código Penal é de 1940 e entrou em vigor em 1942 e o de Processo Penal é de 1941 e entrou em vigor também em l942).
As
leis brasileiras não tinham ainda atingido o grau de proteção ao acusado que
existe hoje. Devemos erigir como marco a “constituição cidadã” (como
carinhosamente a chamava o presidente da constituinte, deputado Ulysses
Guimarães), que é do ano de 1988. Depois, veio a aprovação da Convenção
Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que é de
1969, mas foi posta em vigor somente no ano de 1992. De igual forma, e
paulatinamente foram feitas modificações no Código de Processo Penal sempre
visando ao aperfeiçoamento da garantia.
Em
tempos atuais, ninguém que for acusado de ter praticado um delito pode ser
obrigado a fazer prova contra si mesmo (em latim: “nemo tenetur se detegere”;
em inglês: “privilegie against self incrimination”), compreendendo essa
cláusula o direito, conforme as próprias normas especificam, de permanecer em
silêncio, ou seja, de não responder nenhuma pergunta que lhe for formulada.
Voltando
às palavras do insigne ministro, se a pessoa, em vez de permanecer em silêncio,
resolver falar, porém mentindo, ela pode fazê-lo, mas aqui evidentemente há um
limite: as suas mentiras não podem constituir-se elas mesmas em delito, seja
contra a honra (calúnia), seja contra a Administração da Justiça (denunciação
caluniosa). O tema é complexo, mas em linhas gerais é dessa forma que a lei
pode (deve) ser aplicada. Incontáveis vezes, no exercício da atividade de
Procurador do Estado mas com funções de defensoria pública, atuando em defesa
de acusados que não tinham condição de contratar advogado, vi réus mentindo
descaradamente ao negar a prática da infração ao passo que as testemunhas
apontavam-no como o autor do fato. Seu Sebastião foi um deles: acusado de ter
matado o próprio filho com uma certeira facada no coração, ele negou em juízo
tê-lo feito, enquanto que testemunhas presenciais – uma delas o seu genro –
afirmavam ter visto o delito. Abaixo coloco o “link” em que está posto o artigo
que escrevi sobre o tema.
E
quando se trata de um governante que almeja a sua reeleição: ele tem o direito
de mentir? Que político mente é fato consabido: conta-se que um candidato a
governador discursava numa cidade e, inflamado, prometeu que, se eleito,
mandaria construir uma ponte. Cutucado por assessor que o informou não existir
rio naquela urbe, emendou: mandarei desviar um rio para cá também. Alguns
preferem dizer que em campanha o político não mente, exagera: não vejo diferença
nisso.
Na
campanha presidencial nunca se viu um candidato (candidata, no caso) mentir tão
deslavadamente, não apenas distorcendo fatos, mas mentindo acerca de
providências que tomaria caso eleita. É um hábito analisar os cem dias de
governo em qualquer nível, porém nem se havia completado um mês de sua posse
quando ela desmentiu-se daquilo que disse durante a campanha (e especialmente
durante os debates), fazendo um aumento de tributos, cortando garantias
trabalhistas e outras providências maldosas.
É
lamentável que entre as causas para que possa ser pedido o “impeachment” não estejam as mentiras utilizadas para obter a
eleição: se fosse aplicada a regra que todos devem ter vergonha na cara, a
mentira deveria ser motivo para cassar a eleição do Pinóquio.
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