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O goleiro Bruno e a liminar do Supremo




      Espocou como uma bomba: por meio de medida liminar num pedido de “habeas corpus” contestando a demora no julgamento de um recurso de apelação, o goleiro Bruno foi posto em liberdade apenas e tão-somente para aguardar o julgamento desse recurso em liberdade, por assim dizer, “vigiada”. Está fresco ainda na memória das pessoas o caso de que o [então promissor, cotado até para figurar na seleção brasileira] foi acusado de ter participado: o homicídio de Elisa Samúdio e a ocultação de seu cadáver. Ambos tinham um filho, no qual foi posto o nome do pai.
      Ele foi acusado de ser o mandante[1] dos crimes e, em julgamento levado a cabo pelo Tribunal do Júri da cidade de Contagem, MG, ele foi condenado a cumprir 22 anos e 3 meses de reclusão a serem cumpridos, óbvio, no regime inicialmente fechado; nessa época, já estava preso, tendo ficado encarcerado, no total, até a sua soltura, a mais de 7 anos. Inconformado com a condenação e por ser cabível, foi interposto um recurso chamado de “apelação”, que deve ser julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Nesse julgamento de segunda instância podem ocorrer as seguintes soluções: a] não ser dado provimento à apelação, ficando valendo a pena que lhe foi imposta [poderá, talvez, ser interposto recurso ao Superior Tribunal de Justiça, quiçá ao Supremo Tribunal Federal]; b] ser a reprimenda carcerária diminuída; c] ser determinado que ele seja submetido a novo julgamento[2].
      Como a sentença condenatória não transitou em julgado, ele ainda é beneficiário do princípio da presunção de inocência (ou presunção de não-culpabilidade), acolhido na Constituição da República Federativa do Brasil, também conhecida como “carta magna” ou “lei das leis”. Essa mesma “lei maior” também prevê que o processo deverá ter uma duração razoável [não dizendo o que se deve entender por “razoável”] e o recurso de apelação interposto pelo goleiro está “estacionado” no Tribunal de Justiça de Minas Gerais há mais de 3 anos à espera de sua solução. Esse tempo poderia ser razoável para toda a duração do processo e no presente caso é apenas para o julgamento do recurso: toda a instrução probatória, como, oitiva de testemunhas e realização de perícias por exemplo, foi realizada, restando apenas analisar e julgar o recurso, o que, como a experiência ensina, não é a maior dificuldade num processo. Portanto, nada há de estranho na concessão da medida liminar feita pelo ministro Marco Aurélio: é apenas para que ele aguarde em liberdade com restrições o julgamento do recurso.
      Posto em liberdade, alguns clubes interessaram-se por sua contratação e este fato, tal qual o primeiro (a soltura), gerou uma indignação coletiva, inclusive em pessoas que exigem que os presos trabalhem. O trabalho durante o cumprimento da pena privativa de liberdade é obrigatório pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal. É impossível que tal obrigatoriedade seja cumprida em toda a sua extensão [expliquei isso em alguns artigos anteriores], mas, lembrando as palavras de Miguel Reale Junior, o trabalho, especialmente para o preso, não serve apenas para ganhar dinheiro, mas sim para dignifica-lo e readaptá-lo à vida em sociedade. Pois bem: trabalhando, o goleiro Bruno estará se ressocializando [sem esquecer que talvez ela possa ser submetido a novo julgamento[3]], e numa visão estritamente financeira, ele poderá ter dinheiro [creio que não foi contratado “a preço de banana”] para suportar uma obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, bem como para sustentar o seu filho.
      Os críticos da decisão do ministro sempre saem-se com esta: mas ele matou Elisa. Quando transitou em julgado a sentença condenatória?


[1] . Aqui, para os iniciados em Direito Penal, lembro que uma das teses que caberiam no presente caso é a da “cooperação dolosamente distinta”.
[2] . Por ser crime contra a vida, cujo julgamento é realizado pelo Tribunal do Júri, o apelante jamais pode ser absolvido: se a decisão dos (sete) jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos do processo, ele deve ser submetido a novo julgamento pelo júri.
[3] . Item “c” do segundo parágrafo.

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