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Morta no escuro



            O casal vivia uma união estável (poder-se-ia dizer, naquelas circunstâncias, que era instável...). Tinha filhos. Residia numa edícula, na periferia da cidade. A mulher padecia de doença mental. Para agravar o quadro, dava-se ao consumo de álcool. Sofrera algumas internações. Nesse cenário, as desavenças eram comuns, chegando à agressão física.
            Uma noite, chegando do trabalho, o marido encontrou-a alcoolizada. Desentenderam-se. Deitaram para dormir. A luz foi apagada. A refrega recomeçou, agora às escuras. De repente, cessou. Quando o dia se fez presente, a claridade mostrou uma triste realidade: a mulher estava morta.
            As fotos que ilustravam o laudo de “levantamento de local” eram tétricas: naquele cômodo com aparência de quarto, a mulher, que estava nua, jazia morta ao lado do colchão posto no chão. Ostentava vários ferimentos, no rosto e na cabeça. Manchas de sangue próximas do interruptor de luz demonstravam que ela tentava acender a luz. Ou mesmo ele, com as mãos sujas de sangue.
            Acompanhei esse caso apenas numa audiência e tive a oportunidade de conhecer a atual companheira dele. Conversamos. Expliquei a situação processual. Depois de um tempo já aposentado, ela procurou-me por telefone: o julgamento dar-se-ia na cidade de Valinhos e ela queria consultar-me. Marquei um horário para atendê-la no escritório. Ela foi. Queria a todo custo contratar-me. Para arcar com os honorários, o companheiro seria demitido e usaria o dinheiro da indenização. Fui ao cartório examinar o processo. Não me animei. Fiz contato com ela expondo que não tinha interesse em assumir a defesa. Indiquei um colega que atuaria. Expliquei-lhe que a melhor tese seria a de lesão corporal seguida de morte. Ela não aceitou a indicação do colega. Preferiu que o companheiro fosse defendido por um advogado indicado pelo Convênio Defensoria-OAB/SP.
            Não me animei nem em saber o resultado.

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