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O ministro e o rap

Por intermédio de uma liminar concedida num pedido de “habeas corpus”, o Ministro do STF Marco Aurélio Mello,
um dos maiores figurões de uma organização criminosa foi solto. Pelo que se descobriu até agora, fugiu do Brasil, tendo se homiziado num país vizinho. A decisão foi cassada por outra decisão, desta vez do presidente do STF, o Ministro Luiz Fux. A cassação, por si só, é incomum, embora um ou outro precedente possa ser encontrado. Sob o ponto de vista da legalidade, a decisão de soltar o traficante não pode sofrer nenhuma crítica: o ministro fundamentou a sua decisão no pacote anticrime, a lei que para os adoradores de Sergio Moro iria definitivamente banir os delitos; a sociedade brasileira passaria a viver um clima de respeito e paz. Essa lei modificou artigos de várias leis (Lei de Execução Penal, Código Penal, por exemplo), modificando, no que importa a esta discussão, o Código de Processo Penal, especialmente no que diz respeito à decretação (e manutenção) da prisão provisória. Segundo modificação trazida pelo pacote anticrime (Lei n° 13.964, de 24 de dezembro [teria sido um presente de Natal?]), “decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício , sob pena de tornar a prisão ilegal”. Foi o magistrado que decretou a segregação antecipada que deveria revê-la (ela já tinha mais de um ano de existência), a quem deve ser carregada toda a responsabilidade. Havia, todavia, algumas alternativas. A primeira delas era, dadas as peculiaridades do caso, simplesmente não deferir o pedido de liminar. Embora estivesse o pedido do raper devidamente dentro do princípio da legalidade, como a lei é composta de palavras e, segundo Miguel Reale, “palavras são prisões que contêm sentidos unívocos, equívocos e análogos”, Sua Excelência poderia dar qualquer interpretação à lei invocada como suporte ao pedido de “habeas corpus” e não conceder a medida liminar. Mas talvez isso fosse – e seria mesmo – injusto. Caberia então a aplicação da segunda alternativa: pura a simplesmente levar o julgamento ao plenário, quando, então, os ministros que compõem a corte superior teriam a oportunidade de analisar o caso e votar pela concessão ou não da medida liminar (a esta altura o ministro Celso de Mello já estaria aposentado e não seríamos obrigados a ouvir os seus quilométricos votos, que, embora bem fundamentados, são extremamente enfadonhos...). Em casos mais espinhosos, é quase “jurisprudência” (aqui no sentido figurado) da suprema corte que o ministro relator de um pedido submeta-o à apreciação dos demais, levando a, por assim dizer, “diluir” a responsabilidade. Um exemplo recente: o ministro Celso de Mello submeteu ao julgamento do plenário o pedido do presidente Jair Bolsonaro de não prestar declarações presenciais (“viva voz”), pretendendo fazê-lo por escrito. Mas o ministro Marco Aurélio de Mello é assim mesmo: ele se julga acima de todos, autossuficiente. Um exemplo: recentemente, uma jovem advogada estava fazendo sustentação oral perante os onze ministros, e, devido ao seu nervosismo ou à sua inexperiência, dirigia-se aos togados chamando-os de “você”: foi interrompida por ele, que lhe “passou um pito”.

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