Muita gente se indignou com a soltura do traficante André do Rap, que, condenado em dois processos pendentes de julgamento de recursos, amargava, ainda, um decreto de prisão preventiva, lavrado há mais de um ano. Não tendo sido renovada a decretação da prisão preventiva, exigência que veio a fazer parte do ordenamento jurídico por força do “pacote anticrime” (Lei n° 13.964, de 24 de dezembro de 2019), ele ajuizou perante o STF uma ordem de “habeas corpus”, com pedido de liminar, que foi prontamente deferida. Solto das amarras, o traficante escafedeu-se, homiziando-se no exterior.
O problema da liminar em pedidos de “habeas corpus” é extremamente complexo. Ao contrário do mandado de segurança, em que a lei específica prevê a concessão de medida liminar quando houver o perigo de que o direito pereça, no “remédio heroico” não há essa previsão.
O “habeas corpus” está previsto na Constituição da República Federativa do Brasil, pode-se dizer, desde sempre. Seu artigo 5°, inciso LXVIII, prevê que “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. A Constituição é de 1988. O artigo 647 do Código de Processo Penal estabelece que “dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar”. O Código é de 1941.
Além da falta de previsão legal na concessão de liminar, quando ela é concedida, esgota-se o pedido, pois aquilo que seria concedido somente ao final do processo, é concedido em seu início. São muito raros os casos de concessão da medida liminar, exceto para o ministro Marco Aurélio. Se for feita uma pesquisa nos arquivos do STF, constatar-se-á que, nesse quesito, ele é o ministro mais “mão aberta”, e essa facilidade em concedê-la já foi objeto de discussão num julgamento feito pelo plenário. O ministro Joaquim Barbosa disse-lhe alto e bom som que ele concedia liminares em pedidos de “habeas corpus” sem muito critério e estava referindo-se ao caso do banqueiro Cacciola, que aconteceu da mesma forma do que o André do Rap: solto por uma liminar, o banqueiro (que havia cometido crimes contra o sistema financeiro, provocando um rombo de 1,5 bilhão) foi diretamente ao aeroporto, fugindo para a Itália, seu país de origem. Pedida a sua extradição, ela foi negada. Porém, desatento, foi ao Principado de Mônaco visitar uma feira de barcos, e nesse país foi preso, sendo extraditado para o Brasil, onde cumpriu a pesada pena (ou parte dela) que lhe foi imposta.
Ao ouvir isso, o ministro Marco Aurélio retorquiu ao ministro Joaquim Barbosa, instalando-se uma discussão, que terminou quando aquele magistrado disse a este que continuariam a discussão “lá fora” (assisti ao evento ao vivo pela TV Justiça – não sei continuaram a refrega “lá fora”)).
O caso de André do Rap foi mais grave: o traficante forneceu endereço falso e bastava um telefonema do gabinete do ministro à Polícia Federal para que, antes de conceder a liminar, um agente federal fosse ao endereço fornecido para verificar se o impetrante morava realmente ali. O endereço da pessoa faz parte da sua qualificação e se ela fornece um domicílio falso, está, em tese, cometendo um crime de falsidade.
Será que ministro Joaquim Barbosa tinha razão?
A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...
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