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O novo normal

A pandemia tem provocado a procura de novas soluções – e sua adoção – para muitas situações; acreditava-se unanimemente que nunca haveria transformação nesse segmento, porque a presença das pessoas envolvidas no ato era imprescindível. As principais situações que foram atingidas foram, dentre algumas, duas: o ensino e a atividade processual. A presença dos envolvidos na atividade de ensino era indispensável sem que houvesse outra forma. O uso do “quadro negro” (houve uma época em que era verde) e do giz (ah! quantas pessoas, professores e alunos, eram alérgicas ao famoso “pó branco” [não confundir com aquele outro, tão ao gosto dos drogadictos]) parece que era definitivo. Sucedeu-o o quadro branco em que se escrevia com uma caneta “hidrográfica” de tinta não-permanente, facilmente apagável. Muitas vezes, embora estivesse escrito que somente poderia ser utilizado esse tempo de caneta, professores desatentos usavam a de tinta permanente, o que estragava o quadro. A evolução não parou aí, mas vagarosamente chegou-se ao ensino a distância. No ano de 2012 – se a memória não me falha – a PUUCamp já fazia esse tempo de ensino nos cursos de especialização (eu mesmo participei de um). Na atividade processual: quem pensaria que uma audiência poderia ser feita de forma virtual? Pois é: a pandemia provocou isso. O primeiro interrogatório a distância, com câmeras exibindo o juiz de Direito e o réu, do Brasil aconteceu na comarca de Campinas, mais precisamente na 1ª Vara Criminal (juiz titular Edison Aparecido Brandão, hoje desembargador), no ano de 1996. Na verdade, foram dois. Os aparatos foram montados na penitenciária e na Vara Criminal. Eu os acompanhei (atuando como defensor público dos réus), e, para “testar” a validade dessa forma de realizar esse ato processual, impetrei dois “habeas corpus” (um para cada processo) no (então) Tribunal de Alçada Criminal: num deles, foi concedida a ordem para anular o interrogatório; no outro, foi validado. Debalde, quanto a este, recorri ao Superior Tribunal de Justiça, mas não logrei êxito: aplicando a vetusta teoria do prejuízo, meu recurso foi indeferido. Por intermédio de uma lei de 8 de janeiro de 2009 (n° 11.900), o interrogatório por videoconferência foi introduzido, de forma excepcional, no Código de Processo Penal (artigo 185, $ 1°): hoje, todos as audiências poderão ser realizadas assim. A segunda atividade, a processual, tem provocado situações estranhas, algumas constrangedoras, outras hilariantes. sem contar os incômodos provocados pelas (constantes) quedas da conexão. Uma dessas situações foi esta: um advogado – adivinhem em qual estado do Brasil – participou do ato processual deitado numa rede...; em outra, o participante estava de paletó, camisa e gravata e ... cueca – estava solenemente vestido da cintura para cima. Numa de que participei, todos postos na “sala”, e um dos advogados (eram doze réus), que participava do ato a partir de sua casa, sem perceber que o seu microfone estava aberto, disse a alguém que não aparecia na tela para fechar a janela senão o gato iria sair... Deixando as desatenções de lado – e os micos também --, enquanto não existir uma internet que não oscile (será que existe?), não será possível tranquilamente a realização desses atos ; o maior problema é a instabilidade do sistema. Hoje, numa audiência que durou duas horas e dois minutos, perdi a conta de quantas foram as interrupções. Quando, depois de ouvir as testemunhas, começaram os interrogatórios (eram três réus), já no primeiro o ato judicial teve que ser interrompido pois “caiu” definitivamente a conexão e teve que ser designada outra audiência, em continuação, e semipresencial: era justamente o meu cliente que estava sendo ouvido.

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