Pular para o conteúdo principal

Projeto do CP - princípio da insignificância

O projeto de Código Penal pretende inovar em muitos pontos - alguns já apontados aqui. E a comissão que o redigiu houve por bem introduzir na legislação o princípio da insignificância. Sobre o que seja princípio, valham as lições de Miguel Reale, em "Filosofia do Direito": "princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade" (volume 1, página 54).
O princípio da insignificância (ou da bagatela, como dizem alguns) foi formulado por Claus Roxin na década de 60 e, segundo ele, fundamentava-se na máxima romana "de minimis non curat praetor": quando a lesão ao bem jurídico for mínima, insignificante, não deve formar-se a tipicidade. Assim, uma lesão corporal levíssima ou uma porção mínima de entorpecente não deveriam ser objeto de punição. Quando ao crime de furto, Nélson Hungria já se manifestava na década de 50 no mesmo sentido, sem, porém fazer qualquer alusão ao nome, que, como dito, foi mais tarde criado por Roxin (Hungria dizia que o objeto material do crime de furto - a coisa alheia móvel - deveria ter algum significado econômico; dizia ele que a subtração de um grampo de cabelo não consistiria em furto). O primeiro autor brasileiro a tratar do tema foi Francisco de Assis Toledo, em sua obra "Princípios básicos de Direito Penal", em que ele dava um exemplo consistente em subtração de uma resma de papel praticada por um funcionário público, que, por isso, se viu processado por peculato. A jurisprudência brasileira demorou muito tempo para começar a aceitar e aplicar tal princípio, tendo os tribunais superiores (STJ e STF) formulado alguns requisitos, além da insignificância da lesão ao bem jurídico, para aplicá-lo. Um dos primeiros casos em que o STF aplicou o princípio da insignificância foi o referente a um furto de boné: condenado o autor da subtração e concedida a suspensão condicional da pena ("sursis"), o réu não compareceu na audiência de advertência, tendo a suspensão ficado sem efeito e expedido mandado de prisão. Requerida uma ordem de "habeas corpus", foi concedida medida liminar.
O princípio deixará de ser assim considerado caso o projeto venha a ser aprovado e convertido em lei. Passará a ter aplicação obrigatória e não uma mera forma de interpretação da lei.
Ele está no artigo 28, exclusão do fato criminoso, no artigo, portanto, que trata das até agora chamadas "causas de exclusão da ilicitude" (estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito, estado de necessidade e legítima defesa), mais precisamente no parágrafo 1º:
Princípio da insignificância
§ 1º Também não haverá fato delituoso quando cumulativamente se verificarem as seguintes condições:
a) mínima ofensividade da conduta do agente;
b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;
c) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Como se vê, a comissão acrescentou à exigência da insignificância da lesõ, originariamente formulada por Roxin, os outros requisitos que têm sido exigidos pelos tribunais superiores.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Matando por amor

Ambas as envolvidas (na verdade eram três: havia um homem no enredo) eram prostitutas, ou seja, mercadejavam – era assim que se dizia antigamente – o próprio corpo, usando-o como fonte de renda. Exerciam “a mais antiga profissão do mundo” (embora não regulamentada até hoje) na zona do meretrício [1] no bairro Jardim Itatinga.             Logo que a minha família veio de mudança para Campinas, o que se deu no ano de 1964, a prostituição era exercida no bairro Taquaral, bem próximo da lagoa com o mesmo nome. Campinas praticamente terminava ali e o entorno da lagoa não era ainda urbanizado. As casas em que era praticada a prostituição, com a chegada de casas de família, foram obrigadas a imitar o bairro vermelho de Amsterdã:   colocar uma luz vermelha logo na entrada da casa para avisar que ali era um prostíbulo. Com a construção de mais casas, digamos, de família,   naquele bairro, houve uma tentativa de transferir os prostíbulos para outro bairro que se formava, mais adiante