O polêmico projeto de Código
Penal que, presentemente, está no Senado Federal em prazo de recebimento de
emendas e pode ser apelidado de “Geni” (da música “Geni e o zepelim”, de Chico
Buarque de Holanda), pois muita gente lhe tem atirado pedra (para não dizer,
como na canção, outra substância...), traz uma referência a um grau de culpa
chamada de “gravíssima”, ressuscitando um tema que estava sepultado há tempos.
Sabe-se
que é na Parte Geral do Código Penal que está o tipo penal que descreve o crime
culposo. No Código Penal de 1940, a culpa estava no artigo 15, inciso II:
“quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou
imperícia”. Ficou a cargo da doutrina – e ela o fez proficuamente – interpretar
(interpretação da lei penal quanto ao sujeito que a interpreta) em que
consistia cada modalidade de culpa, bem como quais os graus de culpa, além,
claro, dos componentes do crime culposo (inobservância do dever de cuidado
objetivo, por exemplo). Dissertavam os doutrinadores acerca da culpa levíssima,
leve, grave e gravíssima. Embora de forma indireta, o Código Penal prestigiava
esses graus de culpa, pois na primeira fase da aplicação da pena, em que eram
analisadas as circunstâncias judiciais (artigo 42), era determinado que o juiz
analisasse “o grau da culpa” (bem como a “intensidade do dolo).
A
Parte Geral foi reformada em 1984 e quanto à culpa apenas o número do artigo
foi modificado, pois as espécies de culpa continuaram as mesmas: imprudência,
negligência e imperícia. Porém, nem de forma indireta se falou sobre os “graus
da culpa”: na primeira fase da aplicação da pena (artigo 59) não há mais
referência a esse dado (embora autores ainda insistam que o juiz deve analisar
“o grau da culpa”).
Foi
redigido o projeto de Código Penal e ele, como dito anteriormente,
“ressuscitou” um dos graus da culpa, a culpa “gravíssima”. De passagem, deve
ficar registrado que no projeto continua a não existir na individualização da
pena qualquer referência ao “grau da culpa”. Porém, esse resgate do conceito
aparece de forma subrreptícia na descrição do homicídio culposo. A redação é
esta:
Modalidade
culposa
§ 4º Se o homicídio é culposo
Pena – prisão, de 1 a 4 anos
Culpa
gravíssima
§ 5º Se as circunstâncias do fato
demonstrarem que o agente não quis o resultado morte, nem assumiu, mas agiu com
excepcional temeridade, a pena será de 4 a 8 anos de prisão.
§ 6º Inclui-se entre as hipóteses
do parágrafo anterior a causação da morte na condução de embarcação, aeronave
ou veículo automotor sob a influência de álcool ou substância de efeitos
análogos, ou mediante participação em via pública de corrida, disputa ou
competição automobilística não autorizada pela autoridade competente.
Aumento
de pena
§ 7º As penas previstas nos
parágrafos anteriores são aumentadas até a metade se o agente:
I – deixa de prestar socorro à
vítima, quando possível fazê-lo se risco à sua pessoa ou a terceiro;
II – não procura diminuir as
consequências do crime.
Claramente
se constata que o projeto pretendeu remediar o equívoco que presentemente
amiúde ocorre de classificar como homicídio com dolo eventual as mortes no
trânsito resultantes de colisões ou atropelamentos em que o condutor estava sob
efeito de álcool (ou substância de efeitos análogos), ou em excesso de
velocidade, ou participando de corrida (“racha”). A pena é inferior (na
cominação mínima, ligeiramente inferior, e na máxima, muito inferior) à do
homicídio simples, que é de 6 a 20 anos de reclusão.
Caso
seja aprovado – e existem respeitáveis vozes afirmando que ele não será – uma
solução mais branda às mortes ocorridas no trânsito estará à disposição dos aplicadores da lei penal.
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