Discorrer tantas vezes sobre este tema é de aborrecer, mas não é dispensável: de
tempos em tempos inicia-se uma campanha, encorajada pela mídia, quando não
sendo de sua iniciativa, visando à diminuição da maioridade penal no Brasil.
Sem citar o nome do veículo, para não lhe dar notoriedade, há uma emissora de
rádio AM no estado de São Paulo, mais precisamente localizada na capital, que
descaradamente, ou seja, sem ao menos disfarçar, iniciou uma campanha para que
haja uma redução na maioridade penal. A estratégia não enganaria nem um tolo e
funciona assim: são convidadas pessoas que ocupam cargos de relevo na área
jurídica para entrevistas em que, óbvio, defendem a redução da maioridade
penal. No dia seguinte, a entrevista é manchete no jornal matinal e repetida à
exaustão ao longo do dia.
Semelhante
estratégia foi seguida por uma rede nacional de televisão que, na classificação
pelo nível de audiência, ocupa, quando muito, o quarto lugar. Nos noticiários,
a parte reservada às ocorrência policiais (a outrora denominada “página
policial”), geralmente na abertura do noticiário, a ênfase recai sobre crimes
“violentos”, daqueles que mobilizam a opinião pública, geralmente roubo ou
latrocínio, em que há a participação de menores. Por vezes, os apresentadores,
sempre um homem e uma mulher, entreolham-se, fazem expressões de
desapontamento, apontam que o menor ficará uns poucos anos internado numa
instituição estatal, e, colocando o chantili no bolo, entrevistam alguém da
família da vítima (ou das vítimas) para que também manifeste o desapontamento
com o fato de que a maioridade penal seja alcançada aos 18 anos. A entrevista
do familiar é regada a lágrimas.
É
repulsivo que emissoras de rádio e televisão, concessões estatais, em vez de
cumprirem o seu papel, que é o de simplesmente informar, estejam engajadas, às
vezes declaradamente, outras vezes de forma subreptícia, em campanhas para mudar a lei penal conforme
o seu entendimento. E essas campanhas ecoam nas redes sociais: é comum ver
pessoas postando no Facebook dizeres favoráveis à diminuição da maioridade
penal.
Se
se perguntar a qualquer dessas pessoas qual é a idade ideal para que a pessoa
seja penalmente responsabilizada, ela responderá qualquer número, sem nenhum
fundamento científico (idêntico fenômeno ocorre com apresentadores de programas
policiais que pedem maiores penas para alguns crimes: se lhes for indagado qual
é a pena prevista para o crime que eles estão noticiando, não saberão). E
parece que “esse qualquer número” vem se corporificando nos 16 anos, idade em
que, por ora, a pessoa é considerada adolescente, ficando, assim, caso pratique
um fato definido como crime, sujeito às disposições da legislação específica,
vale dizer, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O
tema “maioridade penal” não envolve apenas uma questão etária, ou seja, de
idade: envolve muito mais uma questão de entendimento das próprias ações e as
suas consequências. Envolve, ademais, instituições públicas e privadas
agrupadas sob o título “controle social informal”. A família, a escola, a
igreja, os clubes, todos fazem parte desse controle.. Comecemos pela família.
Um vetusto ditado popular diz “que os pais são os primeiros professores”. Nada
mais exato. É com os pais que as crianças aprendem as primeiras lições: quando
se fala em “paternidade responsável” não se está falando apenas na geração
incontida e irresponsável de filhos. Quando digo isto, quero apresentar um
exemplo: nos quase 25 anos em que atuei como defensor público (não existia a
Defensoria) semanalmente eu atendia pessoas em sistema de plantão que buscavam
orientação jurídica: muitos eram de mulheres que iam em busca de investigação
de paternidade. Um dos casos chamou a minha atenção por seu caráter inusitado:
a mulher que eu atendia estava num “bailão” e ali conheceu um rapaz.
Entabularam uma conversa e depois de uma ou duas cervejas, ele convidou-a para
ir a outro “bailão” ali próximo, que estaria mais animado. Iriam a pé. Saíram.
No caminho, ao passar defronte a uma casa ele disse que morava ali e que
entraria para apanhar uma blusa. Entraram. Mantiveram uma cópula carnal. Foram
ao outro “bailão”. Divertiram-se à tripa forra. Foram embora. Ele nunca mais a
procurou. Ela engravidou. Foi àquela casa. Ele não mais morava ali. Escafedeu-se.
Deu à luz um filho cujo pai ela sabia apenas o primeiro nome (e ninguém poderia
garantir que era o verdadeiro). Claro que este é um exemplo extremo. Atendi
também incontáveis casos de mulheres que foram abandonados pelos maridos e
estes se recusavam a pagar os alimentos devidos. A expressão “paternidade
responsável” compreende, também, não produzir uma prole de forma impensada, ou seja, sem que pense nas
consequências, sem que pense no futuro, mas este é um tema tabu e que pouco
cabe num texto de Direito Penal, de forma que deixo a cargo de outras pessoas a
sua abordagem.
“Os
pais são os primeiros professores”, repito. Atualmente, poucos pais têm a
preocupação de educarem os filhos, transmitindo-lhes os valores fundantes na
sociedade. Alguns – a maioria, creio – não exerce essa atividade educadora
porque não tiveram educação; outros, por falta de tempo; outros, por
desinteresse. Estes preferem deixar aos professores toda a atividade educativa.
Sendo a escola um dos mais importantes “controles sociais informais”, pois se
“os pais são os primeiros professores”, os professores são os segundos pais. O
ensino público no Brasil, é verdade sabida, é um desastre e quanto a isso não
preciso dizer mais nada. Em suma: as pessoas não recebem educação. Em outras
palavras: não aprendem a respeitar os valores. As outras formas de controle
social informal – igreja, clubes – também falham. E quando falham os controles
sociais informais, são acionados os formais: polícia, ministério público,
magistratura; enfim, as instituições que aplicam o Direito Penal. Estão todas,
ou quase todas, à beira da falência.
Comentários
Postar um comentário