A Lei de Execução Penal é do ano de 1984, tendo entrado em vigor no ano seguinte, 1985, com um período de "vacatio legis" de 180 dias: é que ela trouxe tantas inovações que, no entender do autor da iniciativa legislativa, era necessário tal prazo para que as instituições que se a aplicam se adaptassem "ao novo tempo".
O Brasil somente teve uma lei de execução penal 484 anos depois de seu descobrimento: antes disso, o cumprimento da pena era - por assim dizer - um mero apêndice administrativo, ou seja, a execução da pena não tinha uma feição judicial. Havia um decreto federal que regulamentava o cumprimento da pena.
Durante o último ciclo da ditadura militar, houve a ideia de fazer uma reforma em toda a legislação penal: seria redigido um projeto de Código Penal, Parte Geral; um projeto de Código de Processo Penal; e um projeto de Lei de Execução Penal. Não se pode deixar de registrar aqui que o Código Penal era de 1940 - um decreto-lei de Getúlio Vargas, um ditador civil; o Código de Processo Penal era de 1941 - outro decreto-lei, também do mesmo ditador; e havia uma Lei das Contravenções Penais também de 1941 - decreto-lei do mesmo ditador.
Os três projetos foram redigidos, tendo sido os dois primeiros - Código Penal e Lei de Execução Penal - foram aprovados pelo Congresso Nacional: são leis. O Código de Processo Penal não foi aprovado, e, finalmente, foi redigido um projeto de Código Penal, Parte Especial, que também não foi aprovado. Apenas a título de ilustração, este projeto representava um grande avanço em algumas áreas - passava a permitir uma forma de eutanásia, por exemplo.
Como dito, a lei de execução penal foi a primeira que teve o Brasil desde o seu descobrimento e dentre as novidades que ela criou foi, por exemplo, a remição, importada da Espanha: a cada 3 dias trabalhados, abatia-se um dia da pena (hoje o estudo também serve para esse "abatimento"). Outra novidade foi a conversão da pena privativa de liberdade (uma parte dela) em pena restritiva de direito.
Um grande novidade foi a permissão de saída temporária: os condenados que estiverem cumprindo a pena (privativa de liberdade, óbvio) em regime semi-aberto (colônia agrícola, industrial ou similar) poderão "obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos: I - visita à família", conforme está escrito no artigo 122 (existem dois outras hipóteses, mas a que interessa aqui é a visita à família). A autorização - agora é a dicção do artigo 123 - "será concedida por ato motivado do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária, e dependerá dos seguintes requisitos: I - comportamento adequado; II - cumprimento mínimo de um sexto da pena, se o condenado for primário, e um quarto, se reincidente; III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena". Ato motivado do juiz da execução. Pode ser concedida por até 5 vezes durante o ano, cada uma por prazo não superior a 7 dias; durante a saída poderá o condenado ser submetido a monitoração eletrônica (artigo 122, § único).
Pois bem: a cada saída temporária, como se constata e é absolutamente normal, alguns presos não voltam e isto serve de mote para que uma parte da mídia (principalmente uma emissora de rádio AM de São Paulo conforme citei no texto blogado no dia 23/1/13) desencadeie uma campanha contra esse benefício.
Sabe-se que esse instituto de excução penal tem como - a própria lei diz isso - atingir o objetivo da pena, que é a ressocialização, e não existe nada mais ressocializador do que conviver com a família (eu disse isso também no texto blogado a 23/1/13 - dentre os controles sociais informais está a família). Nils Christie, norueguês, numa magnífica obra chamada "Limits to pain" - não existe tradução em português, somente em espanhol: "Los límites del dolor" - descreve o abandono pela família que sofriam os presos em Cuba condenados a longas penas: com o passar do tempo as visitas dos familiares começavam a escassear, até cessar.
Na mais recente saída temporária, a para as festas natalinas de 2012, 5% dos que saíram não voltaram e isso bastou para que manchetes fossem estampadas apregoando isso, algumas iniciando campanhas para que a lei nesse ponto seja revogada e não mais exista a saída temporária. Vamos falar em números: a inadimplência das famílias endividadas foi de 15,3% - a inadimplência é um ilícito civil. Em 2010, das novas empresas 16,3% faliram - a falência é um ilícito.A previsão da inflação para 2012 era de 5,46%. Quando essa porcentagem se refere a pessoas, presos, que estão "saboreando" um pouco de liberdade, ela é irrisória. Pretender que todos voltem é dar atestado de ignorância sobre a natureza humana.
O preso que não retornou abandonou o cumprimento da pena e fatalmente regredirá ao regime mais severo, o fechado. O não retorno não é crime: é falta grave que acarreta a regressão.
Querer revogar o benefício por conta de 5% é, no mínimo, desrespeitar o princípio da igualdade: os outros 95% que retornaram e se mostraram dignos de receber o benefício serão prejudicados. Não é difícil enxergar isso.
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