Pular para o conteúdo principal

Mais uma cabeluda do Renan



      Terminava o ano de 2013 e o presidente do Senado da República, Renan Calheiros, foi surpreendido voando num jato da Força Aérea Brasileira para uma cidade do estado de Pernambuco a fim de submeter-se a um implante de fios de cabelo. Após ser, pela segunda vez no ano, apanhado de calças na mão numa aventura cabeluda de mau emprego do dinheiro público, candidamente o senador quase calvo apressou-se em consultar as autoridades sobre o valor gasto e ressarcir os cofres públicos. Ele já devia estar careca de saber que os aviões da FAB não se prestam para isso.
      É necessário registrar que a sua malfeitoria veio à luz por conta de uma notinha publicada na coluna “Painel” do jornal Folha de São Paulo, ganhando grande repercussão, o que fez com que o traquinas senador tivesse um súbito surto de juízo e se propusesse a indenizar o erário brasileiro.
      Por ser a segunda vez que ele tem esse (mau) comportamento (lembrando que na primeira vez ele foi a uma cidade do estado da Bahia para os festejos de casamento da filha de um seu colega de parlamento e, tal qual na segunda vez, foi delatado e ressarciu o gasto), surge uma indagação: o que leva uma autoridade, cujo cargo que ocupa está na linha de sucessão da presidência da República, a reincidir no mau vezo de agir com a coisa pública como se fosse particular, o que vale dizer, como se fosse sua? Cabem algumas respostas, mas a que impera é a que está contida na própria pergunta: a maioria dos políticos brasileiros age em relação à coisa pública como se ela fosse particular, ou seja, como se ele fosse o seu proprietário. Dizia um humorista que “no Brasil a coisa pública é tratada como privada”; esta frase comporta mais de uma interpretação – o leitor saberá por qual optar.
      Curiosamente, na mesma época em que o quase calvo parlamentar praticava mais uma das suas traquinagens aéreas, a imprensa mundial noticiava que o bilionário Michael Bloomberg havia gasto em seus 12 anos de mandato como alcaide de New York a quantia de 650 milhões de dólares de seu bolso para diversas finalidades públicas, dentre as quais, apenas para ilustrar, estão o pagamento de passagens de seus assessores e bônus para eles. No caso, deu-se uma inversão: o político estadunidense desembolsou de sua conta a vultosa quantia em benefício da cidade de que era o administrador.
      É de se destacar que Renan Calheiros tem em sua folha corrida outros fatos desabonadores, um dos quais levou-o à renúncia da presidência: descobriu-se que os alimentos de uma filha havida fora do casamento eram pagos por uma empreiteira. Como o povo brasileiro não tem memória, especialmente os da classe política, o seu retorno não demorou. O que lhe falta em folículos pilosos no crânio sobra em vontade de praticar ações reprováveis.
      Finalmente, deve ficar registrado que o partido a que é filiado é importante na base aliada do governo federal, aliás exercido por um partido que passou duas décadas pregando a ética na política...


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Matando por amor

Ambas as envolvidas (na verdade eram três: havia um homem no enredo) eram prostitutas, ou seja, mercadejavam – era assim que se dizia antigamente – o próprio corpo, usando-o como fonte de renda. Exerciam “a mais antiga profissão do mundo” (embora não regulamentada até hoje) na zona do meretrício [1] no bairro Jardim Itatinga.             Logo que a minha família veio de mudança para Campinas, o que se deu no ano de 1964, a prostituição era exercida no bairro Taquaral, bem próximo da lagoa com o mesmo nome. Campinas praticamente terminava ali e o entorno da lagoa não era ainda urbanizado. As casas em que era praticada a prostituição, com a chegada de casas de família, foram obrigadas a imitar o bairro vermelho de Amsterdã:   colocar uma luz vermelha logo na entrada da casa para avisar que ali era um prostíbulo. Com a construção de mais casas, digamos, de família,   naquele bairro, houve uma tentativa de transferir os prostíbulos para outro bairro que se formava, mais adiante