O julgamento do “mensalão” e o
reforço de alguns princípios constitucionais.
A
atividade punitiva, exclusividade do Estado, designada pela expressão latina
“jus puniendi”, antigamente traduzida simplesmente por “direito de punir” ou
“direito punitivo”, depois por “poder-dever de punir” é cercada de algumas
importantes garantias em benefício da pessoa e elas – algumas delas – ainda
existem sob a forma de princípios, nos termos em que Miguel Reale os definiu,
outras alçaram-se da qualidade de princípios à de lei, seja de estatura
constitucional, seja da estatura de lei ordinária.
O
mais caro (lembro-me da advertência do “sumo mestre de Pisa”, Francesco
Carrara, quando comentou as palavras nos crimes contra a honra e o duplo
sentido que elas podem ter) princípio no Estado Democrático de Direito é o da
legalidade, entre nós elevado à categoria de norma constitucional e também de
norma ordinária. “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei.” Tal dispositivo tem força gigantesca na atividade
punitiva do Estado: “não há crime sem LEI anterior que o defina. Não há pena
sem prévia cominação LEGAL”. Além da legalidade, a anterioridade da lei ao fato
que se pretende delituoso.
O
“due processo of law” – em vernáculo “devido processo legal – também tem
importância decisiva no exercício do “jus puniendi”. A pessoa somente poderá
ser punida se tudo o que se referir ao seu comportamento que se pretende punir
tiver sido apurado no curso de um devido processo judicial (ou legal, como
alguns preferem). E no curso desse processo devem ser respeitados dois
princípios também muito caros ao Estado Democrático de Direito: o da ampla
defesa e o do contraditório. A pessoa acusada deve ser defendida ainda que não queira – caso em que o
Estado deverá nomear-lhe um defensor dativo, que, ao seu turno, deverá exercer uma
defesa efetiva, e nunca portar-se, como dizia Nélson Hungria, como “um
convidado de pedra”. Além disso, deve lhe ser dada a oportunidade de conhecer o
que a parte oposta apresentou e contrapor o que for de se interesse para
desconstruir (perdão, Derrida – e Woody Allen [Desconstruindo Harry]).
Todos
os atos processuais deverão ser dotados de publicidade, ou seja, deve ser
permitido que as pessoas que assim pretenderem acompanhem o desenvolvimento do
processo. Beccaria fustigou os julgamentos secretos, em sua época (o seu livro
é de 1.764) habituais, em que sequer o acusado acompanhava o juízo.
Caso
o acusado seja condenado, a sentença deverá respeitar as três fases determinadas
pelo Código Penal (primeira fase - pena base - são analisadas as circunstâncias judiciais; segunda fase - análise das circunstâncias agravantes e atenuantes; terceira fase - apreciação das causas de aumento ou diminuição da pena), bem como fixar o regime inicial de cumprimento da pena
privativa de liberdade, substituindo-a, se for caso, por pena restritiva de
direito. Ou por multa.
Pois
é, no julgamento do “mensalão”, todos os acusados tiveram respeitados os
princípios acima sinteticamente expostos, o que os reforçou, avultando o da
publicidade, já que as sessões foram transmitidas ao vivo (e reprisadas à
exaustão) – o Supremo Tribunal Federal é o único tribunal supremo no mundo que
transmite as suas sessões plenárias ao vivo. Em nenhum outro país do mundo isso
ocorre.
Falta
apenas aplicar um princípio (que, à semelhança de outros, é também lei
constitucional e infraconstitucional): o da igualdade (ou isonomia). Todos os “mensaleiros”
encarcerados, devem, à semelhança dos outros milhares de engaiolados, usar o
uniforme do presídio. Somente assim todos os princípios terão recebido um
reforço com o julgamento.
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