Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de abril, 2014

Direitos desrespeitados

      Embora um dos pilares do Estado Democrático de Direito, conforme está escrito na “constituição cidadã” (expressão cunhada pelo presidente da constituinte, o deputado federal Ulysses Guimarães), seja a dignidade da pessoa humana, nossos direitos são a todo momento desrespeitados.       No Brasil, os carros são reconhecidamente os mais caros do mundo. Amiúde “navegam” pela internet, mais precisamente pelo Facebook quadros   comparativos entre os preços dos carros no Brasil e outros países. Quando se compara com os EUA, nosso país é simplesmente surrado. Apenas para exemplificar, pois é algo que vi “com os meus próprios olhos”: Audi A3 2015 a partir de U$29,900. Comparando-se com o México e Argentina, dois países hispânicos, continuamos a ser derrotados.       Pois bem: pagamos por um veículo automotor – que nem é de primeira linha – “os olhos da cara” e, não obstante esse absurdo, pagamos, ainda, licenciamento, seguro obrigatório, e o escorchante IPVA. Como o carro cus

O estelionatário distraído

          Na prática do crime de estelionato muitas vezes o engano é representado pela falsificação de algum documento; o que mais se encontra na estatística criminal é a falsificação da carteira de identidade. Durante muito tempo se discutiu, tanto no plano doutrinário, quanto no jurisprudencial, se a pessoa que falsifica um documento para utilizá-lo na prática do estelionato comete dois crimes em concurso material, ou apenas um delito. Depois de muita discussão, ao menos no plano jurisprudencial o assunto pacificou-se quando foi editada uma súmula pelo Superior Tribunal de Justiça, a de número 17 [1] : por ela, aplica-se somente a pena cominada ao crime de estelionato.           Por outro lado, para que se reconheça que ocorreu um crime de “falsum” é necessário que estejam presentes três constantes: imitação da verdade, alteração da verdade e prejuízo de terceiro (ainda que potencial). O, por assim dizer, documento falsificado deve ter aparência de verdade, ou seja, imita-

Um povo sem memória

        Desde muito se tem dito que o brasileiro não tem memória – e esta é uma “verdade chinesa”. Os motivos que levam o povo a esta amnésia coletiva são obscuros e o que se tem, no máximo, são indícios que a demonstram. Uma pessoa que não adquiriu conhecimento, não pode retê-lo na memória: quem conhece os fatos, ou seja, quem adquire conhecimento, dificilmente os esquece – a não ser que fique muito tempo sem "usá-los" ou os perca patologicamente. Uma prova eloquente dessa falta de conhecimento veio neste longo fim de semana, em que na segunda-feira seria comemorado um feriado nacional, o 21 de abril, por intermédio de uma reportagem feita por uma das emissoras de televisão local. A repórter abordava pessoas no centro da cidade e as três primeiras, relativamente jovens, não souberam dizer o que se comemorava no feriado. As duas primeiras disseram desconhecer o que se comemorava na data e a terceira arriscou: dia da consciência negra. Depois a repórter abordou outras t

O juiz e a promotora

          Ambos trabalhavam num cartório criminal, como escreventes. Ele era solteiro. Ela, separada, e com um filho menor da primeira relação. Ele ficou perdidamente apaixonado por ela, porém não era correspondido. No próprio ambiente de trabalho, enviava bilhetes açucarados – mais do que isso: melados – para ela, acompanhados de alguma guloseima, um pão de queijo, declarando o seu amor.   Depois de muito tempo, conseguiu vencer a resistência da pretendida e encetaram num namoro, que resultou em casamento. Ele cursava uma Faculdade de Direito; colou grau, submeteu-se ao concurso para ingresso na Magistratura e logrou aprovação. Foi designado para uma cidade da região metropolitana de Campinas. Mudaram-se para lá. Para a mesma cidade, depois de algum tempo, foi designada uma Promotora de Justiça, recentemente aprovada no concurso, e também casada; ela tinha advogado antes de lograr aprovação.           O juiz, sempre pontual ao chegar em casa após o trabalho, começou a atrasar-s

Os donos da rua

        Há – creio – mais de uma década que se ouve, por vezes até de pessoas letradas, que a, por assim dizer, população “ordeira” vive enclausurada dentro de casa, cercada por câmeras de vigilância, cercas eletrificadas, e outros aparatos, enquanto as ruas e praças ficam entregues aos criminosos. A assertiva não deixa de ser verdadeira, porém em parte.       Sem pretender ser saudosista, lembro da minha infância e parte da adolescência na pacata cidade de Jaú, no interior paulista. Era hábito entre a população “ordeira” após o jantar colocar cadeiras na calçada e, enquanto aguardava o início da radionovela, conversar animadamente. A conversação coincidentemente era durante a detestável “Hora do Brasil”: bastava que soassem os primeiros acordes de “O Guarani” para que as pessoas se dirigissem à calçada. As praças públicas eram frequentadíssimas, e nelas as garotas faziam o “footing” aos sábados e domingos. Não havia televisão.       Quando a televisão chegou, trazida ao B

O molestador impotente

          Ele tinha quase 60 anos e já havia tido um AVC – acidente vascular cerebral, ou, em termos populares, “derrame” – que lhe deixara severas seqüelas: uma hemiplegia. Metade de seu corpo ficara paralisada como consequência do acidente. Trabalhara durante toda a sua vida e, por conta do problema de saúde, estava aposentado.           Numa manhã de sol, estava sentado numa pracinha no bucólico distrito de Sousas quando dele se aproximaram duas crianças, ambas do sexo masculino e menores de 10 anos, que ali brincavam. Foi entabulada uma conversa e, sabe-se lá porque, ele abriu a braguilha da calça e pediu àquelas crianças que enfiassem a mão no interior da calça e tocassem em seu membro viril. Elas atenderam-no. Ao chegar em casa, uma dessas crianças contou à avó – com quem morava e tinha a sua guarda – o ocorrido e ela incontinenti procurou o distrito policial local.           Houve a instauração do inquérito que, ultimado, foi enviado ao fórum, tendo sido distribuído à 2

Direito ao acesso

        Seria a quinta vez que iríamos para Miami a fim de assistir ao Sony Open Tennis (ATP 1000 de Miami), com direito a “dar uma esticada” a Las Vegas (cidade que tínhamos conhecido no ano de 2005), num total de 19 dias. Passagens compradas, hospedagens contratadas, e uma semana antes do embarque a minha mulher sofreu uma queda e fraturou um osso do dedo mínimo do pé esquerdo; na mesma segunda-feira, fomos ao pronto-socorro e o médico que a atendeu constatou a fratura, aconselhando-a a não viajar. A princípio, cogitamos de cancelar tudo, obtendo o ressarcimento do que fosse possível e arcar com o prejuízo do demais.       Como foi um atendimento de emergência e embora o médico fosse ortopedista, no dia seguinte ela foi a outro médico, um nosso conhecido, que também constatou a fratura, mas não a aconselhou a não viajar. Recomendou que, se ela “abusasse” (andasse muito, usando muletas), o pé incharia, mas bastaria um repouso com ele para cima que tudo se resolveria. Não havia

O choro do condenado

            Lembro que o seu nome era Marco Antonio - um nome de imperador romano. Ele fora preso pela prática de um crime patrimonial e, naquela época, os “presos provisórios   ficavam recolhidos na “carceragem” do 2º Distrito Policial ou na do 5º Distrito Policial, ambas superlotadas. Na cela em que ele foi colocado, no 2º DP, estavam   muitos outros presos na mesma situação de “provisórios”. Alguns deles estavam preparando uma fuga: fora introduzida ali por uma visita uma serra e eles estavam serrando um dos "gomos" da grade da porta. Era um trabalho que demandava muito tempo e, à medida que o ferro ia sendo serrado, eles disfarçavam o buraco   pondo uma pasta feita com sabonete e cinza de cigarro (que parece muito com a cor do ferro). No período noturno, era feito o “bate-grade”: o carcereiro passava em todas as celas (dependendo do tamanho era chamado de “xadrez”), batendo com um pedaço de ferro nas grades. Um som oco delatava o “trabalho”; por vezes, se o ferro da gra