Pular para o conteúdo principal

Um povo sem memória


 

      Desde muito se tem dito que o brasileiro não tem memória – e esta é uma “verdade chinesa”. Os motivos que levam o povo a esta amnésia coletiva são obscuros e o que se tem, no máximo, são indícios que a demonstram. Uma pessoa que não adquiriu conhecimento, não pode retê-lo na memória: quem conhece os fatos, ou seja, quem adquire conhecimento, dificilmente os esquece – a não ser que fique muito tempo sem "usá-los" ou os perca patologicamente. Uma prova eloquente dessa falta de conhecimento veio neste longo fim de semana, em que na segunda-feira seria comemorado um feriado nacional, o 21 de abril, por intermédio de uma reportagem feita por uma das emissoras de televisão local. A repórter abordava pessoas no centro da cidade e as três primeiras, relativamente jovens, não souberam dizer o que se comemorava no feriado. As duas primeiras disseram desconhecer o que se comemorava na data e a terceira arriscou: dia da consciência negra. Depois a repórter abordou outras três, de mais idade (duas na terceira idade) e todas acertaram na resposta; uma disse o nome completo do “mártir da independência”, Joaquim José da Silva Xavier. Se a pessoa não conhece, não pode esquecer – estou afirmando o óbvio.
      Uma das provas da falta de conhecimento é certamente o estudo, a escola, seja pública, seja privada: em tempos de antanho os currículos escolares traziam a História do Brasil e, de contrapeso, História Geral. Havia também línguas: Português e, no mínimo, Inglês, quando não Francês (e, no meu caso, que estudei em colégio católico, Latim). Hoje, fazendo parte do Mercosul, em que todos os outros parceiros têm como língua oficial o Espanhol, já era hora dessa língua, a terceira mais falada no mundo, começar a constar dos currículos escolares.  E, é bom não esquecer, naquela época quem não conseguisse durante o ano letivo alcançar pontos suficientes, era reprovado e a reprovação não significava demérito para ninguém, muito menos humilhação: o aluno simplesmente não havia reunido condições de prosseguir na aquisição de conhecimento. Hoje se tem uma visão diferente - e distorcida - sobre este tema.
      Outro motivo que faz com que o brasileiro não tenha memória é a falta de museus. Em países da Europa e também nos Estados Unidos os museus pululam e se referem aos mais variados temas. Não é preciso citar o Louvre, em Paris, ou o Museu do Prado, em Madri, nem o Metropolitan ou American Museum of Natural History, ambos em New York, ou, ainda, o Smithsonian ou o Museu do Ar, ambos em Washington: basta citar um mais modesto, o Museu da Liberdade, na Filadélfia. Nesses museus estão depositadas não apenas obras de arte, mas a própria história, seja do mundo, seja do país em que ele se localiza.
      No Museu da Liberdade está o sino rachado que foi tocado no dia da Independência e é emocionante ver famílias com crianças na mais tenra idade na fila aguardando a vez para entrar no prédio e conhecer parte da história de seu país. No Brasil, ao contrário, museu é algo raríssimo e já houve ministro da Educação (Mercadante) que disse não saber que museu é assunto de educação.
      Museu é, sim, assunto de educação e a educação se aprende inicialmente em casa e posteriormente na escola. Pois é, estes dois – lar e escola – são dois dos mais importantes controles sociais informais, que são os primeiros a formarem a pessoa o modo dela se posicionar perante os valores da sociedade; eles são os mais importantes e quando eficazmente utilizados dispensam o Estado de utilizar os controles sociais formais, como polícia e Poder Judiciário.
      Pode-se afirmar, portanto, que, ao contrário do que se apregoa, não é que o brasileiro não tenha memória: ele não tem conhecimento por conta da má educação, seja a de casa, seja a da escola. De um tempo até a presente data, aliás, não há fato histórico que mereça ser ensinado nas escolas.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...