Ele tinha quase
60 anos e já havia tido um AVC – acidente vascular cerebral, ou, em termos
populares, “derrame” – que lhe deixara severas seqüelas: uma hemiplegia. Metade
de seu corpo ficara paralisada como consequência do acidente. Trabalhara
durante toda a sua vida e, por conta do problema de saúde, estava aposentado.
Numa manhã de
sol, estava sentado numa pracinha no bucólico distrito de Sousas quando dele se
aproximaram duas crianças, ambas do sexo masculino e menores de 10 anos, que
ali brincavam. Foi entabulada uma conversa e, sabe-se lá porque, ele abriu a
braguilha da calça e pediu àquelas crianças que enfiassem a mão no interior da
calça e tocassem em seu membro viril. Elas atenderam-no. Ao chegar em casa, uma
dessas crianças contou à avó – com quem morava e tinha a sua guarda – o
ocorrido e ela incontinenti procurou o distrito policial local.
Houve a
instauração do inquérito que, ultimado, foi enviado ao fórum, tendo sido
distribuído à 2ª Vara Criminal da comarca; denunciado, foi atribuída a ele a
prática de dois crimes de atentado violento ao pudor, com violência presumida[1].
Coube a uma colega de trabalho a tarefa de defendê-lo. A instrução transcorreu
sem percalços e sobreveio a sentença, obviamente condenatória, mas com a
permissão de que ele, como permanecera solto durante o processo, pudesse
interpor recurso de apelação em liberdade.
Certo dia, a
família – esposa e filha – esteve na PAJ, com a cópia da sentença condenatória,
procurando a colega que atuara na defesa do réu. Ela estava de férias e eu a
substituía. Li a sentença e passei a fazer perguntas sobre o acusado, sua vida
pessoal, saúde, etc. Chamara-me a atenção o fato de que uma pessoa, que passara
uma vida vivendo honestamente, no limiar da terceira idade fizera tamanha besteira.
Foi nessa oportunidade que me informaram que ele era hemiplégico por conta do
AVC. Pedi que os familiares trouxessem todos os documentos que tivessem sobre o
problema de saúde e continuaríamos a conversa em outra ocasião.
Na data
combinada, vieram com incontáveis receitas, atestados, raios X da cabeça e
durante a conversa fiz uma pergunta que, para a tese que eu pretendia
apresentar ao tribunal de justiça, era crucial: como ficou a atividade sexual
dele depois do “derrame”? Nula, respondeu a sua mulher.
Compulsando os
autos, para preparar o recurso de apelação, constatei que, talvez
inconscientemente (ah! Sigmund Freud...), o juiz havia prestado uma ajuda inestimável
durante o interrogatório: de uma forma que fugia aos padrões de seriedade, o
juiz perguntara a ele se “aquilo subia” (o pênis, evidentemente), ao que o réu
respondeu: “menos do que o salário mínimo” (naquela época, nada...).
Apoiado na tese
de que no atentado violento ao pudor é necessário que o sujeito ativo do crime aja
com o intuito de satisfazer a libido e que no caso a libido do acusado estava
soterrada debaixo de um “derrame”, requeri ao tribunal a reforma da sentença
com a consequente absolvição do acusado.
A tese foi
acolhida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e o “molestador impotente” foi
absolvido: ele era incapaz de sentir prazer.
(Capítulo do livro "Casos de júri e outros casos", Editora Millennium.)
[1]
. Presume-se que tenha sido empregada a violência quando: a) a vitima não é
maior de 14 anos; b) é alienada ou débil mental e o agente conhecia tal
circunstância; c) quando a vítima não podia, por qualquer outro motivo,
oferecer resistência (artigo 224 do Código Penal).
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