Ambos
trabalhavam num cartório criminal, como escreventes. Ele era solteiro. Ela,
separada, e com um filho menor da primeira relação. Ele ficou perdidamente
apaixonado por ela, porém não era correspondido. No próprio ambiente de trabalho,
enviava bilhetes açucarados – mais do que isso: melados – para ela,
acompanhados de alguma guloseima, um pão de queijo, declarando o seu amor. Depois de muito tempo, conseguiu vencer a
resistência da pretendida e encetaram num namoro, que resultou em casamento.
Ele cursava uma Faculdade de Direito; colou grau, submeteu-se ao concurso para
ingresso na Magistratura e logrou aprovação. Foi designado para uma cidade da
região metropolitana de Campinas. Mudaram-se para lá. Para a mesma cidade,
depois de algum tempo, foi designada uma Promotora de Justiça, recentemente
aprovada no concurso, e também casada; ela tinha advogado antes de lograr
aprovação.
O juiz, sempre
pontual ao chegar em casa após o trabalho, começou a atrasar-se. Chegou a
dormir fora. Sempre o pretexto era o mesmo: excesso de trabalho. A mulher, que
de nada desconfiava, certa ocasião abriu a carta que continha o extrato do
cartão de crédito como medida trivial para conferir os seus gastos, já que
tinha um cartão adicional. O que viu estarreceu-a: gastos em restaurantes
chiques em São Paulo, hotéis e outras despesas com, digamos, lazer. Nenhuma
fora feita com ela. Quando ele chegou, ela interpelou-o e ele admitiu, depois
de alguma hesitação: estava saindo com a promotora (talvez novamente perdidamente
apaixonado...).
Separaram-se. O
filho, que agora era legalmente dele, cursava Faculdade de Direito, além de
viver às expensas do pai adotivo. Este parou de pagar as mensalidades do curso;
cessou, enfim, de entregar qualquer quantia à mulher (quase ex-mulher) e ao
filho. Ela procurou-me. Disse que precisava dos meus serviços profissionais.
Assustei-me, a princípio. Combinamos horário no meu escritório. Ela compareceu
com todos os bilhetes apaixonados que recebera na fase de conquista e durante o
namoro; havia alguns já da época de casados. Eram de causar asco. Trouxe os
extratos. Aceitei o caso. Elaborei a petição inicial de alimentos.
Protocolei-a.
Designada data
de audiência, comparecemos, a cliente e eu, e o advogado do réu-juiz. Este não compareceu.
O seu advogado justificou a ausência dizendo que ele estava enfermo e que tinha
um atestado médico para provar a enfermidade. O Juiz que presidiria a audiência
apanhou-o e leu-o. Atestava "síndrome do pânico". Disse, após ler: “isto para mim não é doença. Vou redesignar
a audiência e se ele não comparecer novamente, decretarei a revelia”. Por
dentro, eu ria a bandeiras despregadas.
Não pude
continuar atuando nesse processo, pois fui temporariamente ocupar um cargo
administrativo de chefia na Procuradoria Regional de Campinas.
Tempos depois,
casualmente encontrei a escrevente ( e ex-mulher do juiz) e ela agradeceu-me ter iniciado o processo.
Contou-me que o ex-marido fora condenado a prestar alimentos. Estava recebendo
as parcelas mensalmente e com pontualidade. Estava exultante. Eu também fiquei.
Não houve espírito de corpo, como era de se esperar.
(Capítulo do livro "Casos de júri e outros casos", Editora Millennium.)
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