Na prática do
crime de estelionato muitas vezes o engano é representado pela falsificação de
algum documento; o que mais se encontra na estatística criminal é a
falsificação da carteira de identidade. Durante muito tempo se discutiu, tanto
no plano doutrinário, quanto no jurisprudencial, se a pessoa que falsifica um
documento para utilizá-lo na prática do estelionato comete dois crimes em
concurso material, ou apenas um delito. Depois de muita discussão, ao menos no
plano jurisprudencial o assunto pacificou-se quando foi editada uma súmula pelo
Superior Tribunal de Justiça, a de número 17[1]:
por ela, aplica-se somente a pena cominada ao crime de estelionato.
Por outro lado,
para que se reconheça que ocorreu um crime de “falsum” é necessário que estejam
presentes três constantes: imitação da verdade, alteração da verdade e prejuízo
de terceiro (ainda que potencial). O, por assim dizer, documento falsificado
deve ter aparência de verdade, ou seja, imita-la – em outras palavras: deve ter
aparência de verdade; deve, ainda, ser uma mudança da verdade, em outras
palavras, uma mentira; e deve carregar consigo a potência de provocar prejuízo
a terceiro. Existe quem afirme que não há a necessidade de que sejam três os
“elementos”, pois um documento que imita a verdade, ou seja, parece verdadeiro,
já traz consigo a possibilidade de causar dano a terceiro.
Disso decorre
que, se a falsificação for grosseira, perceptível “ictu oculi” (“a olho
desarmado”), não haverá crime de falso; e, se o documento grosseiramente
falsificado for utilizado na prática de um estelionato, não haverá crime, dada
a impossibilidade de enganar alguém.
Sem atentar
para isso, que parece elementar, o jovem de 19 anos, bem brasileiro conseguiu –
não se sabe por quais meios – uma carteira de identidade de um descendente de
japoneses. Conseguiu também uma folha de cheque com o nome daquela pessoa. Cuidadosamente, retirou a foto que nela havia
e também cuidadosamente colocou a sua. E, pensando que assim enganaria qualquer
pessoa, dirigiu-se a uma loja de eletrônicos de um shopping de Campinas e ali
adquiriu um aparelho de som da última geração. Ao efetuar o pagamento, entregou
o cheque com o documento, o que, de plano, já deve ter provocado risos na
caixa. Muito rapidamente, ao seu lado materializaram-se dois seguranças que o
detiveram e o levaram ao plantão policial, onde foi autuado em flagrante e
preso.
Era uma
quinta-feira e não havia plantão judiciário. Ficou detido até a semana
seguinte, enquanto se processava o seu pedido de liberdade provisória, afinal
concedida.
A tese de crime
impossível, tão cabível num caso como esse, não pôde ser alegada: a prescrição
– extinção da punibilidade pelo decurso do tempo – corroeu o poder-dever
punitivo do Estado.
Capítulo do livro 'Casos de júri e outros casos", Editora Millennium.)
[1]
. “Quando falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por
este absorvido.”
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