A
delação premiada é um instituto antigo no Direito Penal italiano e foi a forma
que o Estado encontrou para exercer o poder-dever de punir contra os “mafiosos”
com eficácia. A palavra mafiosos vai entre aspas porque há diversas “máfias” na
península itálica, podendo ser apontadas a “Cosa Nostra”, a “’Ndrangheta” e a “Mano Nera”. Em geral, o termo “máfia” vem
sendo utilizado há tempos como uma expressão genérica para designar uma
organização criminosa. Seria desnecessário dizer que o Estado italiano é, no
mundo, o que tem mais experiência no combate a essa espécie de criminalidade.
Quando
no Brasil, na década de 90, mais especificamente no ano de 1990, se pretendeu
apresentar um projeto de lei que regulamentasse o preceito constitucional que
houvera criado os crimes hediondos (convertido na Lei n°8.072), os autores do
projeto foram busca inspiração na “legge” do país peninsular e foram seduzidos,
ainda que de forma tímida, pelo instituto da delação premiada, e, também de
forma tímida, introduziram-no no Direito Penal brasileiro. Sintomaticamente, o
crime de quadrilha ou bando (por favor, o nome não é “formação de quadrilha”,
como dizem a mídia e alguns “entendidos”...) passou a ter um parágrafo único
com a seguinte redação: “o participante e o associado que denunciar à
autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a
pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços)”. Tímida modificação, como já dito,
porque exigia que a quadrilha (ou bando) fosse desmantelada, “premiando” o
delator com uma mera redução de pena.
A
partir daí várias outras leis penais acolheram o instituto da delação premiada
e uma das que merecem destaque é a de proteção a testemunhas e a réus
colaboradores, pois introduziu a isenção de pena ao réu colaborador sob a forma
do perdão judicial (também chamado por alguns de “dispensa de pena”); o perdão
judicial já existia no Direito Penal brasileiro desde a década de 70, mas não
sob esse formato.
É,
portanto, um direito do acusado que, se exercer a delação premiada respeitando todas as
exigências legais, pode – melhor dizendo: deve – ser beneficiado, e grandemente
beneficiado em algumas hipóteses.
De
outra parte, em muitas situações, quando uma pessoa (ah! Miguel Reale: só pode
ser pessoa, e humana ou natural, “o valor-fonte de todos os valores”) pratica
um ato é possível ver nele um início de colorido de ilícito penal: é que, a princípio, na
análise do fato, pode ser que ele caiba num tipo penal; como exemplo pode ser
citada a morte praticada quando a pessoa se vê injustamente agredida e usa
moderadamente dos meios necessários; aquilo que “cabe” num tipo penal (“matar
alguém”), deixa de ser delito porque a pessoa agiu em legítima defesa. Bem como
aquele que, para usar um exemplo antigo, num naufrágio, luta com outro náufrago
pela posse do colete salva vida que comporta apenas uma pessoa. (O exemplo mais
antigo, bem mais, falava da tábua dos destroços do navio – eram naus, na
verdade – que comportava um só náufrago e ambos lutavam por ela, um matando o
outro – “tabula unius capax”.)
Dentre
as outras causas de exclusão da ilicitude está o exercício regular de direito,
consubstanciado no artigo 23, inciso III, segunda parte”. Pode parecer óbvio,
mas, como dito antes, por vezes o fato praticado pode a princípio “caber” no
tipo penal.
Foi
com tais olhos que eu vi, sem susto nenhum, a notícia de que o PT vai processar
por difamação o acusado Paulo Roberto da Costa, que, em suas manifestações
judiciais, afirmou que destinava um percentual das propinas obtidas em contratos da Petrobras, em que ele era diretor indicado pelo então presidente Lula, ao Partido dos Trabalhadores. A ideia
de processá-lo foi até inteligente no aspecto da escolha do crime, já que a
difamação é o único delito contra a honra de pessoa jurídica aceito unanimemente como possível
pela doutrina, já aquelas não podem ser vítimas
dos outros dois crimes contra a honra, a calúnia e a injúria - outro ponto unânime da doutrina penal.
Porém,
a inteligência, ou o conhecimento, ficou (ficaram) obnubilada a partir do
momento em que eles não conseguiram enxergar que o delator estava exercendo regulamente um
direito seu e quem exerce um direito não comete nenhum ilícito penal.
Pois
é: foi apenas uma tentativa de agradar aos militantes, tudo indica.
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