Pular para o conteúdo principal

Os caixas eletrônicos, a quadrilha e a interceptação telefônica



            Os primeiros furtos em caixas eletrônicos seguramente ocorreram na cidade de Campinas e eles elas cometidos com emprego de maçarico: o caixa era “derretido” num ponto específico que permitia o acesso dos ladrões ao seu conteúdo, geralmente milhares de reais. Se fosse feito com habilidade, nenhuma nota era queimada. Aqueles rapazes, um deles um exímio soldador, uniram-se (“associaram-se”) e, superando o número mínimo legal, que é de quatro, configurou o crime de quadrilha ou bando[1]. E eles passaram a “derreter” caixas eletrônicos em Campinas e outras cidades da região.
            As investigações apontavam para eles e a autoridade policial requereu ao Juiz de Direito autorização para instalar a escuta telefônica (interceptação, melhor dizendo). Obtidos indícios, foi requerida a prisão temporária, prontamente deferida, e um a um os componentes da associação foram sendo presos. Em seguida, a temporária foi convertida em prisão preventiva. Depois de alguns meses da prisão, o pai de um deles, de quem eu já fora defensor muito tempo antes, procurou-me para que assumisse a defesa de seu filho. Concordei.
            Por uma dessas coincidências da vida, o meu cliente, que estava encarcerado num CDP de Campinas, foi transferido para o CDP de Piracicaba, o que impediu que ele estivesse presente na audiência de julgamento, provocando assim o desmembramento do processo: os outros réus seriam julgados no processo original e o meu cliente no desmembrado. Realizada nova audiência de julgamento, desta vez apenas para o meu cliente, tive acesso aos autos para apresentar a defesa escrita e ao examiná-los, constatei que não havia, como determina a lei específica[2], que não havia cópia (geralmente em DVD) da “escuta telefônica”[3]. Requeri que o processo fosse anulado por desrespeito ao princípio constitucional da ampla defesa, já que eu não tivera acesso à prova e o meu cliente fosse solto, pleito acolhido pelo magistrado.
            O pitoresco deste caso é que, numa das interceptações, foi gravado um diálogo entre um investigador de polícia e o meu cliente em que o policial civil exigia dinheiro, afirmando saber  que ele estava furtando caixas eletrônicos e que se não pagasse, seria preso. Deve ficar registrado que não era um dos que investigavam o caso. Com base nisso, a Corregedoria da Polícia Civil instaurou procedimento disciplinar contra aquele mau policial.
            Por razões que não vêm ao caso, abandonei o processo, não conhecendo portanto o seu desfecho, se houve condenação ou absolvição.



[1]. Artigo 288 do Código Penal
[2]. Número 9.296/96.
[3]. Tudo o que for captado deve ser gravado num CD ou DVD.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...