Pular para o conteúdo principal

A Itália e Pizollato


 
      Num documentário muito interessante, chamado “Draquila - A Itália que treme”, dirigido pela cineasta italiana Sabina Guzzanti, em que o funcionamento do Estado italiano é parcialmente mostrado, com profundas críticas contra o político Sylvio Berlusconi, há uma frase a princípio enigmática mas que tem uma explicação muito fácil: “não é que seja impossível governar a Itália: é inútil”.
      Todos já ouviram falar, inclusive por postagens no Facebook, do caótico trânsito em algumas cidades da Itália: eu mesmo sou testemunha disso. Estando em Roma no ano de 2009 e fazendo um tour a pé, nosso grupo foi advertido pelo guia local de que não deveríamos confiar nos sinais de trânsito para pedestres, pois os motoristas não os respeitavam e em especial os motociclistas. Para enfatizar o que dizia, apontou algumas estatísticas que demonstravam esse desrespeito. Eu presenciei, nessa estadia, uma cena que até então nunca tinha visto no Brasil: uma mulher, ao volante de um carro pequeno, aguardava que outro veículo saísse da vaga em que se encontrava para ela mesma estacionar o seu carro. Atrás dela estava um veículo grande, uma SUV, cujo motorista começou a se impacientar e fez uso da buzina. O carro que ia desocupara a vaga finalmente saiu, a mulher adiantou o seu veículo para entrar de marcha ré; o motorista da SUV adiantou também o seu, impedindo que ela estacionasse. Ela, óbvio, estava com o pisca-pisca ligado, mas de pouco adiantou. Ela desceu do carro e foi falar com o outro motorista, debalde: ele não saiu do lugar, impedindo, por pura emulação, que ela estacionasse (nessa hora lamentei não estar com minha câmera para filmar e colocar no Youtube).
      Muitos de nós têm um pouco de sangue italiano, inclusive eu, pois meu avô materno era imigrante, e não há como não amar a Itália, os seus lugares, a sua comida. Porém, o que tem ocorrido com o caso Pizzolato é um bom exemplo do que disse a cineasta italiana em seu documentário: no Brasil uma situação como a do mensaleiro se resolveria mais facilmente, tal qual ocorreu com o caso do sanguinário Battisti.
      No Brasil, os pedidos de extradição são julgados pela mais alta corte de justiça, o Supremo Tribunal Federal, que analisa o pedido sob o aspecto da legalidade: se estiver conforme a lei brasileira, ele é deferido, mas quem decreta a extradição, por um ato administrativo. No caso Battisti, o STF deferiu-o, porém, o presidente da República, Lula, numa atitude insólita e covarde, no último dia de seu mandato não decretou a extradição do assassino travestido de criminoso político.
      Na Itália, conforme se acompanhou, o pedido é julgado por uma corte menor e a extradição é decretada pelo Ministro da Justiça. Contra este ato ministerial há um recurso para um tribunal administrativo: aqui não se discute o aspecto judicial, mas sim administrativo da extradição. Caso este recurso seja indeferido (não provido), cabe outro recurso, ainda administrativamente, desta vez para o Conselho de Estado.
      Como disse a cineasta: “não que seja impossível governar a Itália; é inútil”.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...