Uma nova modalidade de obter dinheiro
ilicitamente é a do golpe do falso exame: uma pessoa que tem um familiar
internado em um hospital recebe um chamado telefônico de alguém que se intitula
o médico que acompanha o doente e lhe é pedida uma quantia a fim de que possa
ser realizado um exame (ou um procedimento qualquer) não coberto pelo plano de
saúde. É indicado o número de uma conta corrente em que o dinheiro deverá ser
depositado para que o procedimento seja feito. Tudo mentira.
Que o brasileiro tem uma criatividade
inexcedível para engendrar forma de atacar ilicitamente o patrimônio alheio é
de todos conhecida; que ela não respeita nada também (como exemplo: o símbolo
de melhor futebol do mundo, a Taça Jules Rimet, entregue definitivamente ao
país cuja seleção se sagrasse campeã por três vezes, o que o Brasil conseguiu
no México em 1970, foi furtada da sede da CBD – antecessora da CBF – e derretida...).
Mas, para obter dinheiro prevalecer-se de tragédia de alguém é algo que
demonstra a inexistência do mínimo de compaixão, de piedade ou qualquer outro
sentimento que demonstra respeito à dor alheia.
Que o golpe existe e tem ocorrido atualmente
em larga escala, os boletins de ocorrência demonstram; há contudo um uma certa
hesitação em determinar exatamente qual é o crime cometido; não há dúvida de
que se trata de crime contra o patrimônio, estando presentes todos os seus
elementos, com uma parcela do patrimônio de alguém sendo transferido para
outrem de forma indevida. Uma manchete de jornal dizia que a família do
paciente fora “extorquida”, o que, descontando-se a ignorância do jornalista, é
um despautério, pois a extorsão, descrita no artigo 159 do Código Penal, é um
dos mais graves crimes contra o patrimônio, catalogados no Título II da Parte
Especial do Código Penal. Outros dos crimes patrimoniais considerados graves,
porque neles há o emprego de violência ou grave ameaça, são o roubo, a
extorsão, a extorsão mediante sequestro (impropriamente chamada na mídia apenas
de “sequestro”) e a extorsão indireta.
Por primeiro, pode-se afirmar que não se
trata de extorsão visto que não há o emprego de violência, nem de grave ameaça.
A conduta descrita parece amoldar-se mais ao que contém o artigo 171 do Código
Penal, o por demais conhecido estelionato (do latim “stellio”, “stellionis”,
cuja tradução é: camaleão). O estatuto repressivo o descreve assim: obter, para
si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo
alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer meio fraudulento”, com a
pena de reclusão, de 1 a 5 anos, mais multa, podendo estar ser de 10 a 360
dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo até cinco vezes esse
mesmo salário.
Quando é feito o telefonema à pessoa da
família do doente pedindo – este é um dado importante, pois a quantia é pedida
e não exigida, como ocorre na extorsão – uma determinada quantia para a
realização de um exame que nunca será realizado porque não é necessário –
afinal, toda a trama é mentirosa, está sendo empregado um ardil para que a
quantia ilícita seja paga. Ardil, dizem os doutrinadores, situa-se mais no
plano moral, ao contrário do artifício que tem feição mais material (o conto do
bilhete premiado, por exemplo).
Estão, então, reunidos todos os elementos
do crime de estelionato, um delito patrimonial em que não há o emprego de
violência nem de grave ameaça: o emprego de um meio fraudulento – o ardil -, a
obtenção de uma vantagem ilícita para alguém (o que faz a chamada) ou para
terceira pessoa, em prejuízo da vítima – um familiar da pessoa doente, podendo
mesmo acontecer que o dinheiro saia do patrimônio da pessoa internada.
Trata-se
do crime de estelionato, porém ficam algumas dúvidas que somente uma
investigação minuciosa em cada caso poderá aclarar: como o estelionatário pôde
obter os dados que fundamentaram o seu delito e que certamente estão no
prontuário do doente a que poucas pessoas têm acesso? Saber que a pessoa está
internada, saber os números dos telefones dos familiares e outros mais?
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