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Crime midiáticos





      Por mídia geralmente se entende como os mais diversos meios de comunicação. A palavra, aportuguesada, deriva da expressão inglês “mass media”, que significa comunicação em massa. Entre os diversos meios de comunicação estão os classificados como analógicos, compreendendo os jornais, revistas, rádios, emissoras de televisão, e digitais, como aquelas chamadas “redes sociais”: facebook, twitter, instagram, whatsapp, blog. A principal diferença entre eles é que as mídias digitais permitem uma interação mais imediata entre os seu usuários; as analógicas, não. Imagine-se uma publicação num jornal que atinja, ofendendo ou não alguém: se este quiser responder, terá que enviar uma carta ou mais modernamente um e-mail, que será publicado ou não pelo veículo que fez a publicação. Já nas mídias digitais a resposta pode ser imediata: uma postagem no facebook pode ser respondida imediatamente (é claro que o acesso à publicação somente será franqueado às pessoas que são “amigas” do que fez a postagem.
      Restringindo o alcance desta abordagem somente às redes sociais, quais espécies de crime podem ser praticadas por seu intermédio? Antes de proceder à resposta, é necessário que se faça uma menção a uma das muitas classificações das infrações penais. Os penalistas brasileiros, e alguns estrangeiros, abordam este tema sob a nomenclatura “título e classificação das infrações penais”. Quanto ao título do crime, este se encontra sob a forma de uma rubrica em negrito ao lado do artigo do Código Penal que descreve o crime: ao lado do artigo 121 está escrito “homicídio”, por exemplo. Já a classificação leva em conta se a conduta criminosa se desdobrou em vários atos ou pode ser praticada num só: assim são respectivamente os crime materiais e os crimes formais. Outra classificação refere-se à forma como o crime pode ser praticado: crime de forma livre e crime de forma vinculada. Neste, a forma de cometimento está expressa no artigo que descreve o delito, servindo como exemplo o artigo 130 do Código Penal: “expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea...”. Essa é a única forma de se praticar o delito. Já os crimes de forma livre podem ser praticados por qualquer meio escolhido pelo sujeito ativo, desde que idôneo. O homicídio pode ser praticado com tiro, facada, veneno, asfixia tóxica ou mecânica. Nelson Hungria, valendo-se de um exemplo extraído de um conto de Monteiro Lobato (O engraçado arrependido) aponta o excesso de riso como meio idôneo à prática desse crime contra a vida.
      Alguns crimes podem ser praticados por intermédio das mídias sociais. Os crimes contra a honra – calúnia, difamação e injúria – ocupam honrosamente (ou desonrosamente) o primeiro lugar. Qualquer postagem de que não se goste é pretexto para uma resposta (imediata, lembre-se) que agride a honra. Em segundo lugar está o crime de estelionato (artigo 171: obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento – esta definição é de 1940 e não envelheceu). É de todos sabido quantos “golpes” são aplicados nas redes sociais.
      Mas há um crime que não ocorre tão amiúde nas redes sociais mas que é mais preocupante do que os anteriores: a participação em suicídio (artigo 122: induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça). Nos dois primeiros verbos está a participação moral; no terceiro, a material. Por meio das redes sociais pode uma pessoa induzir ou instigar alguém a suicidar-se. A propósito convém lembrar que algumas “disputas” nas redes têm levado pessoas à morte, o que pode, em tese, caracterizar a participação em suicídio.
      Constata-se que os delitos acima apontados são classificados como de “forma livre”, o que faz com que as redes sociais sirvam como meios idôneos à sua prática.  

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