Pular para o conteúdo principal

Homicídio ou suicídio?




      Recente caso ocorrido em Campinas, envolvendo um empresário e um médico, e que resultou na morte deste por atropelamento, sendo o veículo dirigido por aquele, merece algumas reflexões: seria homicídio ou suicídio ou ainda legítima defesa. É que uma das versões indica que o médico teria se atirado na frente do veículo estando este em movimento.
      A participação em suicídio, um crime contra a vida, vem descrita no artigo 122 do Código Penal e compõe-se de três verbos: induzir, instigar ou auxiliar alguém a suicidar-se (é desnecessário dizer que ao suicida não é imposta nenhuma pena mesmo porque não é crime; embora isto pareça risível, ainda hoje há países que punem o suicídio tentado; quanto ao consumado, a punição é apenas de ordem simbólica, como o sepultamento em lugar reservado aos que tiraram a própria vida ou o impedimento de celebrações religiosas). Induzir dignifica fazer nascer no suicida a ideia de tirar a vida; na instigação, há um incentivo (a ideia já existia); no auxílio, há uma participação material (fornecendo a corda àquele que vai se enforcar, por exemplo).
      O homicídio, também um crime contra a vida, vem descrito no artigo 121 do Código Penal, e numa formulação "enxuta": matar alguém. Existe nas formas simples (pena de 6 a 20 anos de reclusão), qualificado (nesta forma está o feminicídio; pena de 12 a 30 anos de reclusão) e o privilegiado, que nada mais é do que a diminuição da pena por ter sido o crime contra a vida praticado sob o domínio de violenta emoção, após injusta provocação da vítima. Todos estes são dolosos. Existe, ainda a forma culposa, em que o sujeito ativo deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Em poucas palavras: não quis a morte. Neste, a pena de 1 a 3 anos de reclusão.
      No caso aqui tratado, se o médico atirou-se na frente do veículo quando este estava em movimento e o seu condutor não conseguiu frear ou desviar, e veio a falecer, temos uma morte pela qual o Direito Penal não tem nenhum interesse, pois não houve a participação dolosa de ninguém na execução do evento: ninguém induziu, instigou ou auxiliou a vítima a tirar a própria vida. Quando digo ninguém, incluo aí o empresário que dirigia o veículo.
      Quando ao crime de homicídio, as considerações são mais extensas. Se o empresário, percebendo que a vítima pôs-se na frente do carro e não fez nada para impedir de atropelá-la, ou mesmo teve a intenção, há crime contra a vida, que pode ser doloso, com dolo direto ou eventual: no primeiro, há a intenção direta de cometer o fato, no caso, a morte (vendo a vítima indo em direção ao veículo, acelerou-o, provocando a morte); no segundo, o sujeito ativo assume o risco de produzir o resultado morte (por exemplo: vendo a vítima encaminhando-se na direção do veículo que conduzia, não diminuiu a velocidade, assumindo, aceitando o fato de provocar a sua morte). Pode ainda ser o homicídio privilegiado, pois há notícia de que houve entre ambos uma acirrada discussão no interior de uma panificadora. Encarando-se como homicídio doloso, a pena será diminuída. Pode ainda ser encarado como homicídio culposo: não acreditando que a vítima fosse cometer aquele tresloucado gesto, foi imprudente ao não tentar frear o veículo ou desviá-lo. O fato de ter saído do local, sem socorro à vítima, não altera a classificação do delito. Se for classificado como doloso, a saída do local é uma circunstância de aumento da pena. Além disso, caso se reconheça que se trata de homicídio doloso, deve ser discutido se o empresário não agiu em legítima defesa: esta, se reconhecida, importará em sua absolvição.
     Feitas estas considerações, talvez algumas dúvidas puderam ser esclarecidas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...