Recente julgamento (13
de novembro de 2019) de recurso de apelação feito pelo Tribunal de Justiça de
São Paulo, por sua 11ª Câmara Criminal, foi a ele dado provimento para
reconhecer que o fato do condutor de veículo automotor recusar-se a soprar no
bafômetro não constitui a infração prevista no artigo 165-A, do Código Brasileiro
de Trânsito, não se aplicando, portanto, o artigo 277, § 3° do mesmo estatuto.
O artigo 277, § 3°, do
CTB, tem a seguinte redação: “serão aplicadas as penalidades e medidas
administrativas estabelecidas no artigo 165-A deste Código ao condutor que se
recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no ‘caput’ deste
artigo”. O “caput” do artigo tem a seguinte redação: “o condutor de veículo
automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização
de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro
procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada
pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância que
determine dependência”. Finalmente, o artigo 165-A prevê as penalidades e as
medidas administrativas aplicáveis àquele motorista que se recusar a se submeter
a qualquer teste, inclusive, é óbvio, o do bafômetro: trata-se de infração
gravíssima, que tem como penalidades a aplicação de multa de 10 vezes e mais a
suspensão da habilitação por 12 meses.
Para reconhecer que
tais normas são inaplicáveis em quem se nega soprar o bafômetro, o tribunal
fundamentou a sua decisão no artigo 186 do Código de Processo Penal. Este
artigo cuida do interrogatório do acusado e nele há uma advertência – ou aviso
- que a autoridade deve fazer à pessoa que vai ser interrogada: a de que ele não está obrigado a responder às
perguntas e que o seu silêncio não poderá ser interpretado em seu prejuízo (não
vale, portanto, em Direito a regra de “quem cala, consente” – “qui tacet
consentit”).
O fundamento do acórdão
foi exclusivamente com base nesse artigo (186) do Código de Processo Penal,
mas, na verdade, o fundamento é maior, pois baseia-se na Constituição da
República Federativa do Brasil. É nela que está escrito (artigo 5°, inciso
LXIII) que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado...”. Tal artigo é a adoção legislativa do vetusto
princípio de que ninguém pode ser obrigado a fazer prova contra si mesmo (em
latim: “nemo tenetur se detegere”; em inglês: “privilege against self
incrimination”).
Este princípio foi uma
das respostas da civilização aos meios coercitivos e cruéis de obter prova da
autoria do crime mediante o emprego de tortura. Alguns códigos da antiguidade
permitiam o emprego das agressões físicas para obter uma confissão do suspeito
ou acusado, descrevendo em que situações e em que medida ela poderia ser
empregada. Não muito longe no tempo, no governo Bush uma ordem executiva
permitia o emprego de tortura (não era assim denominada, óbvio) em presos
(especialmente) de Guantanamo, aqueles que eram suspeitos de participar de
organizações internacionais de terrorismo (como a Al Qaeda, por exemplo).
Foi aberto, com esse
julgamento, um importante precedente, que deve disseminar-se em muitos outros
casos.
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