Pular para o conteúdo principal

O desembargador sem máscara

 

         As cenas de um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (para os que não sabem, o cargo de desembargador é o mais alto na carreira do Poder Judiciário estadual: é aquele membro da magistratura que, de forma colegiada, ou seja, com outros, julgam os recursos interpostos contra decisões de primeira instância) chocaram muitas pessoas e provocam algumas reflexões.

         A primeira vem em forma de pergunta: como é possível que uma pessoa que ocupa um grau alto na magistratura do estado pode portar-se de forma tão desagradável e reprovável? Porém, tratando-se de cargo ocupado por uma pessoa (humana) tudo é possível. E tendo acontecido, qual é o tratamento que a legislação dá a ele?

         Algo que chama a atenção dos que atuam na área jurídica foi um trecho do diálogo, quando o guarda municipal lhe diz que a obrigação de usar máscara decorre de um decreto (municipal), a que S. Exa. responde:

         - decreto não é lei.

         E ele tem razão. Não será preciso expor a hierarquia das leis (os mais curiosos poderão consultar o artigo 59 da Constituição da República Federativa do Brasil que a conhecerão) para saber que hierarquicamente a lei está acima do decreto (a primeira é manifestação emanada de uma casa de leis: câmara, assembleia, câmara municipal, portanto do Poder Legislativo; o segundo é manifestação emanada do Poder Executivo). Porém, tanto uma quanto o outro, dentro as respectivas competências, produzem direitos e obrigações e todos devem a tal submeter-se. S. Exa. certamente, em sua defesa, dirá que não pode ser obrigado a usar máscara porque a sua previsão está em decreto municipal. Isto é altamente discutível e iinda que se concorde com isto, ele não tinha o direito de fazer o que fez.

         Como está no mais alto grau da carreira de magistrado, S. Exa. deve ter exercido a jurisdição penal e, nessa condição, julgado incontáveis processos em que a pessoa foi acusada do crime (contra a Administração Pública) de desacato, descrito no artigo 331 do Código Penal (desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela; pena de detenção de 6 meses a 2 anos, ou multa). Como se trata de crime de forma livre, tanto pode ser praticado verbalmente ou com ações. A doutrina está recheada de exemplos: na forma verbal - xingar um guarda municipal de “guardinha de merda”; na forma material: rasgar uma multa, uma notificação, lançando-a ao chão ou no rosto do funcionário público. Sim, esta forma de cometimento do crime está tanto nos livros quanto nos julgados.

         Ademais, ao se referir ao funcionário público, quando conversava com o Secretário Municipal de Segurança de Santos, chamou-o de analfabeto, e isto claramente (como a luz do sol) é um crime contra a honra chamado injúria (artigo 140 do Código Penal: injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, com pena de detenção de 1 a 6 meses, ou multa, e com causa de aumento de pena – 1/3 – se o crime é cometido contra funcionário público em razão de suas funções).

         Por fim, cabe citar o artigo 35, inciso VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional:

         “são deveres do magistrado: manter conduta irrepreensível na vida pública e PARTICULAR”.

           Espera-se que a apuração seja rigorosa.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Influencers

A nova era trouxe, além das novidades diárias, representadas pelas redes sociais, um novo vocabulário no qual há o (a) “influencer”. Como já li em alguma parte mas não me recordo precisamente em qual, antigamente “influencer” era o pai, a mãe, o professor, o pároco, o pastor, pessoas que, de uma forma ou de outra, pelo conhecimento e proeminência que possuíam, conseguiam influenciar um sem número de pessoas. Tome-se por exemplo o professor: pelos ensinamentos transmitidos aos alunos, ele consegue influenciá-los. Na atualidade, “influencers” são muitas vezes pessoas que se tornam conhecidas por besteiras que realizam e publicam nas redes sociais, valendo notar que algumas delas mal sabem se expressar no idioma pátrio. Pode-se começar com um bom exemplo: uma dessas figuras, numa “live”, defendeu que no Brasil, desconhecendo que a legislação proíbe, fosse, por assim dizer, legalizado o partido nazista, pois assim, na sua visão, os adeptos desse totalitarismo seriam conhecidos. Mas