Pular para o conteúdo principal

O voto secreto e a publicidade dos atos processuais

Reagindo às críticas que foram formuladas (inclusive) pelos seus apoiadores aos votos do ministro Cristiano Zanin, que era seu advogado pessoal, o presidente da República saiu-se com uma “pérola” que fez com que as cinzas de muitos juristas já desencarnados se agitassem nas respetivas tumbas, fazendo também com que os cabelos dos ainda vivos se arrepiasse: os votos dos ministros da mais alta corte de justiça brasileira deveriam ser secretos. Em primeiro lugar é de se dizer que nenhum ministro do Supremo tem qualquer obrigação de seguir as ideias do presidente da República que os nomeou, embora a História registre que alguns – poucos, felizmente – acreditem que devem vassalagem ao presidente que os indicou e, depois de aprovados pelo Senado Federal, os nomeou. Não é assim... Em segundo lugar, adotar o voto secreto equivale a um retorno de dezenas, quiçá centenas de anos, à época em que existiam os famosos julgamentos secretos, em que os acusados sequer conheciam o teor da imputação que contra eles pesava: ficavam sabendo apenas o resultado. Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, um nobre italiano, num pequeno livro escrito em 1764, quando tinha 26 anos, combateu essa prática. E o Premio Nobel de Literatura, Franz Kafka, num conto publicado em 1919, intitulado “Na colônia penal”, descreve um julgamento mais do que secreto: o acusado, enfim condenado, sequer sabia do que estava sendo acusado. Na Magna Carta brasileira, está escrito com todas as letras a publicidade dos ator processuais e está assim escrito porque, ao contrário do que pregou o presidente da República, a sociedade tem sim o direito de saber como votam os ministros. Mais do que a sociedade: os interessados diretamente na disputa judicial solucionada no julgamento têm também. Em terceiro lugar assoma a justificativa pelo disparate pronunciado pela autoridade administrativa brasileira: um ministro da mais alta corte poderá ser hostilizado em razão do que decidiu. Um julgador que tem medo de ser incomodado por decidir desta ou daquela forma não merece julgar nada. E os ministros do STF numa tiveram esse temor. Em quarto lugar: os votos dos componentes da Suprema Corte dos EUA podem ser conhecidos de quem tiver a curiosidade de saber: basta acessar o site https://www.supremecourt.gov. A propósito: um membro da Suprema Corte não é chamado de ministro e sim de justice. Para encerrar: o ministro da Justiça, que a todo momento afirma que foi juiz federal,
veio a público para dizer que o debate é válido, mas não oportuno... Pode?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Influencers

A nova era trouxe, além das novidades diárias, representadas pelas redes sociais, um novo vocabulário no qual há o (a) “influencer”. Como já li em alguma parte mas não me recordo precisamente em qual, antigamente “influencer” era o pai, a mãe, o professor, o pároco, o pastor, pessoas que, de uma forma ou de outra, pelo conhecimento e proeminência que possuíam, conseguiam influenciar um sem número de pessoas. Tome-se por exemplo o professor: pelos ensinamentos transmitidos aos alunos, ele consegue influenciá-los. Na atualidade, “influencers” são muitas vezes pessoas que se tornam conhecidas por besteiras que realizam e publicam nas redes sociais, valendo notar que algumas delas mal sabem se expressar no idioma pátrio. Pode-se começar com um bom exemplo: uma dessas figuras, numa “live”, defendeu que no Brasil, desconhecendo que a legislação proíbe, fosse, por assim dizer, legalizado o partido nazista, pois assim, na sua visão, os adeptos desse totalitarismo seriam conhecidos. Mas