Pular para o conteúdo principal

Imunidades penais

Quando se estuda a aplicação da lei penal, o que aconece no primeiro ano das faculdades de direito, aprende-se desde logo que ela se aplica a todas as pessoas que cometerem um fato delituoso no território do país; aprende-se, ademais, que o brasileiro nato não pode ser extraditado para ser julgado em outro país onde tenha cometido um crime. Mas a aplicação da lei penal a todas as pessoas que cometerem um crime no Brasil sofre algumas exceções; o próprio código esclarece que a lei é aplicada sem prejuízo dos tratados e convenções e outras regras.
A mídia em geral deu destaque, embora não muito, a possíveis crimes contra a dignidade sexual - e tendo como vítimas crianças - que teriam sido cometidos por um diplomata (no sentido amplo da palavra) iraniano no interior de um clube de Brasília. Se os fatos tivessem sido cometidos por um brasileiro (exceto se fosse parlamentar - não estou sendo irônico), certamente algum juiz já teria decretado a sua prisão temporária, quando menos.
Mas, por se tratar de um diplomata, a lei penal brasileira não o atinge, pois, por convenção, os diplomatas não são alcançados pela lei do país em que eles estão acreditados. Algumas razões são apontadas pelos doutrinadores para essa medida, mas, a meu ver, há uma básica: por mais que conheça o país em que está acreditado, o diplomata, um estrangeiro, jamais o conhecerá suficientemente para não cometer alguns equívocos. De qualquer forma, o diplomata tem imunidade (identicamente os seus familiares e todo o "staff"), o que impede, a princípio, que seja julgado segundo a lei brasileira. Exceto se o país que ele representa retirar a imunidade, o que dificilmente ocorre, ainda mais em se tratando de Irã.
Há um precedente envolvendo o país "do regime dos turbantes": quando começou o regime dos aiatolás, um grupo de irarianos que morava em Londres foi defronte a embaixada desse país protestar contra o que lá ocorria; o grupo era vigiado por dois policiais londrinos, os "bobbies", um deles uma mulher; do interior da embaixada foi disparado um tiro contra o grupo; foi atingida a policial, que morreu. Nunca se soube quem foi o autor do tiro, o que significa dizer que ninguém foi julgado.
A não ser que tenha havido uma grande mudança na mente dos governantes daquele país - o que é duvidoso -, o diplomata iraniano que teria cometido crimes de estupro de vulnerável jamais será punido.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...