Pular para o conteúdo principal

Mídia e Direito Penal II

Em 16 de fevereiro passado escrevi neste espaço - e prometi voltar ao assunto (agora cumpro minha promessa) - um texto com o mesmo nome deste, aproveitando duas ideias: a pretensão - afinal abortada - da advogada de Lindemberg (matador confesso de Eloá) de "colocar no banco dos réus" uma parte da mídia (que, antigamente, era chamada de "marrom"); e a pretensão da Comissão de Juristas que redige um anteprojeto de Código Penal, nomeada que foi pelo Senado Federal, no sentido de atenuar a pena se o acusado houvesse sido, por assim dizer, "enxovalhado" pela mídia. As novidades que a comissão fará constar nesse projeto são aparentemente boas, algumas revolucionárias, mas temo que tudo não passe de um golpe de publicidade do imortal Sarney, pois a ideia de nomear a comissão foi dele. É necessário que o projeto seja enviado às casas legislativas (Câmara e Senado) de Brasília e ali ter uma tramitação normal. Como, atualmente, em termos de leis importantes, o SupremoTribunal Federal tem trabalhado mais do que os parlamentares (creio que qualquer trabalhador tem atuado mais do que os parlamentares, embora recebendo muito menos), é outro motivo para duvidar que esse projeto seja convertido em lei.
Voltando ao tema, muitas vezes, especialmente em crimes contra a vida, especificamente homicídio, o réu entra em plenário já julgado pela mídia - a parte da mídia "marrom". Geralmente, essa "marronzice" se dá na mídia televisiva (nem preciso dizer aqui os nomes desses programas que não procuram informar e sim julgar as pessoas simplesmente suspeitas ou acusadas de praticar crime), que tem um alto poder de penetração na sociedade.
Um dos mais importantes livros de Criminologia, apontado como o mais completo já escrito até hoje, de autoria do alemão Peter-Alexis Albrecht, tem o nome de "Criminologia - uma fundamentação para o Direito Penal" (há edição em português, feita pelo professor paranaense Juarez Cirino dos Santos e Helena Schiessi Cardoso). No capítulo 3, "proteção da liberdade", no item "c", "A mídia", diz o seguinte (página 205): "a presunção de inocência não é discutida somente na relação Estado-cidadão, mas também na relação da mídia (compare também Marxem, 1980, 365s.) com o indivíduo. Assim, com frequência, a culpa do acusado já é assumida na mídia antes do julgamento e, por isto, é transmitida ao espectador ou leitor a impressão de que o acusado seria, sem dúvida, o autor. Porque aqui colidem dois princípios constitucionais, a saber, a dignidade da pessoa humana e a liberdade de imprensa, o poder de queixa do indivíduo muitas vezes não basta para garantir proteção jurídica em face da toda-poderosa mídia. Contudo: o artigo 8° da CEDH (Convenção Europeia de Direitos Humano), que protege a vida privada e, com isto, o direito de personalidade, obriga o Estado a colocar à disposição possibilidades jurídico-civis para proteção contra publicações de imprensa, que facultem a toda pessoa reagir contra condenação antecipada da mídia".
No Brasil está em vigor a Convenção Americana de Direitos Humanos ("Pacto de San Jose"), de 1969, posta em vigor no ano de 1992, que tem disposição protetiva da dignidade humana, mas infinitamente inferior em proteção: é o artigo 12, "proteção da honra e da dignidade".
Apesar disso, é preciso pedir a sua aplicação nos casos concretos.
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...