Pular para o conteúdo principal

Sobrecarga

Pretende-se a punição de pessoas que seriam responsáveis pela queda de uma "cadeirinha" de um brinquedo num parque temático, o que ocasionou a sua morte. Pretende-se igualmente a punição de pessoas responsáveis por um 'jet ski", que, dirigido por um menor, fugiu de seu controle e atropelou e matou uma criança. Pretende-se, finalmente, a punição, a qualquer custo, de pessoas que assumem a direção de veículos automotores.
O que estas 3 situações têm em comum: a sobrecarga que é levada ao Direito Penal, tornando-a o ramo do Direito que resolve todos os problemas (usando uma ideia de Miguel Reale: como se o Direito Penal fosse um Rei Midas). A princípio, quando uma conduta é criminalizada, é porque ela ofende um bem (ou valor - Miguel Reale ainda) que é essencial à vida em sociedade. A princípio, portanto, ameaça-se com a imposição de uma pena aquele que agir de forma a ofender aquele bem e se pretende que as pessoas, em vista da ameaça, abstenham-se de condutas de provoquem a violação do bem.
Além de se abster de tais condutas, as pessoas devem saber que a vida em sociedade impõe riscos e que cautelas devem ser tomadas. Isto, numa abordagem primária.
Porém, antes de utilizar o Direito Penal como razão primeira de poroteção (a moderna doutrina entende que o Direito Penal deve ser a "ultima ratio", ou seja, utilizado como última razão), deveriam as autoridades, já que a pessoa humana não se conduz muitas vezes com cautelas, agir administrativamente, fazendo as verificações e exames que impediriam que fatos lesivos ocorressem. As pessoas do parque não fizeram as manutenções devidas e - o que importa aqui - o poder público não fez a sua parte, fazendo as inspeções que seriam necessárias. O mesmo racicínio quanto ao "jet ski" aplica-se aqui: depois de ocorrida a tragédia, constatou-se que muitas pessoas pilotavam esses veículos sem habilitação.
Ainda pode ser aplicado o mesmo raciocínio quanto à embriaguez ao volante: já há lei proibindo vender bebida alcoólica a quem ja se encontre embrigado (é uma contravenção penal). O poder público não fiscaliza.
Portanto, não há necessidade de sobrecarregar o Direito Penal quando é possivel atingir um nível de proteção utilizando outros meios. Sobrecarregar o Direito Penal significa, entre outras coisas, aumentar a possibilidade de impunidade.
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...