O
Título II da Partes Especial do Código Penal contempla os crimes contra o
patrimônio. Inicialmente, cumpre lembrar que a Parte Especial é do ano de 1940,
tendo entrado em vigor no dia 1º de janeiro de 1942. Pretendia-se com a
incriminação de certas condutas proteger o valor patrimônio, que, segundo Julio
Fabbrini Mirabete, louvando-se nas palavras de Clóvis Bevilaqua, é o “complexo
de relações jurídicas de uma pessoa que tiverem valor jurídico” (Manual de
Direito Penal, volume 2, página 189).
Os
tempos eram outros e não existiam tantos bens assim. Passando os olhos pelos
tratados antigos, como, por exemplo, Francesco Carrara e Nélson Hungria, é
impossível conter um forte saudosismo. Até mesmo Roxin provoca esse sentimento de
que “o mundo era melhor e a vida mais fácil de ser vivida”. Como exemplo deste
autor alemão: o furto de veículos. Diz ele que em época de antanho o
deslocamento era feito através de tração animal e as carruagens eram personalizadas,
de modo que isto dificultava grandemente a subtração de um veículo.
O
crime contra o patrimônio que mais ocorria naquela época era o furto e
avultava, numa época de um Brasil mais rural, o furto de gado, conhecido por
abigeato, palavra que deriva da locução latina “ab agere”: uma teoria afirmava
que o furto somente se consumava quando o ladrão conseguia deslocar a coisa
utilizando as mãos, o que era impossível quando se tratava de um animal que
pesava centenas de quilos e o gado era deslocado sob o influxo de vozes e comandos
vocais, ou seja, “ab agere”, o que consumava a subtração.
Embora
o Título II contemple muitas outras formas de ataque ao patrimônio, como, por
exemplo, a extorsão e a extorsão mediante sequestro, os comentadores do Código
Penal daquela década (40) precisavam valer-se de exemplos extraídos de outros
países para ilustrar as suas lições: quando fala da extorsão, Hungria faz
referência aos gânsgsteres – “mad dogs”, segundo ele - dos EUA (entenda-se
Chicago). Ou de outras ocorrências: quando fala da extorsão mediante sequestro,
faz referencia ao costume de guerra de troca de prisioneiros ao final das
escaramuças.
Mas
o furto, antes timidamente realizado nas casas e na ausência dos moradores, com
o advento do progresso passou a ganhar altitude estratosférica. Com a intensa
produção da indústria automotiva, instalou-se uma indústria do furto de
veículos aliada a outra, a indústria do desmanche. Outras formas de facilitação
da vida das pessoas atraiu os “amigos do alheio”, como, por exemplo, os caixas
eletrônicos. Quando se visita outros países, como por exemplo, os EUA ou alguns
da Europa e se constata que os caixas eletrônicos estão instalados na parede
externa dos bancos, na calçada e os correntistas sacam as quantias sob os
olhares de todos, é indefectível suspirar e indagar: um dia chegaremos nesse
nível?
Para
ter um dos componentes indispensáveis à realização do ataque ao caixa
eletrônico, que é a dinamite, as empresas que a utilizam, como as pedreiras,
são também elas vítimas de furto, num efeito dominó que parece incessante. Quem
imaginaria na década de 40 que no futuro existiria caixa eletrônico. Nem a
melhor cartomante conseguiria e, no entanto, a descrição do crime de furto,
contida no artigo 155 do Código Penal, passados 72 anos da sua entrada em
vigor, serve para configurar como crime de furto o ataque ao caixa eletrônico.
Mas o crime patrimonial é a infração em que mais fica clara a criatividade do
criminoso brasileiro, com as suas quase incontáveis variações, conforme será
abordado em outra ocasião.
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