Muitas
pessoas, por vários motivos, pregam que o preso precisa trabalhar. E o Facebook
tem sido “inundado” por “posts” que pedem “reforma penitenciária já”, a fim de que
os condenados que cumprem pena privativa de liberdade trabalhem. Antes disso,
era comum em rodas de leigos em Direito Penal ouvir-se que os presos deveriam
ser empregados para abrir estradas. Geralmente, quem dizia isso não entendia
nem de construção de estradas, nem de cumprimento de pena. Ademais, pedir simplesmente uma reforma sem esclarecer o que deve ser mudado, e como deve ser mudado, não adianta.
O
trabalho do preso sempre foi um tema a provocar insônia em todos quantos estão
envolvidos na atividade do “jus puniendi” e por uma razão muito simples, que
pode ser expressa num adágio popular: “a ociosidade é a mãe de todos os males”.
Isolado do restante da sociedade e habitando um microcosmo composto de pessoas
como eles – condenadas – o preso tem as 24 horas do dia, os 7 dias da semana,
os 30 dias do mês e os 12 meses do ano para arquitetar novas malfeitorias e “trocar
experiências”, falando dos sucessos e dos fracassos (neste caso, mais do fracasso - o que originou o aprisionamento) na prática delituosa.
Tendo
presente isso, na reforma do Código Penal havida no ano de 1984 e com o advento
da lei de execução penal, do mesmo ano (o Brasil, depois de 484 anos de seu
descobrimento, teve a primeira lei de execução penal de sua História), os
redatores do projeto tiveram a oportunidade de fazer constar de lei o trabalho
do preso, tornando-o obrigatório. Consta da Exposição de Motivos (item 32) assinada pelo ministro da Justiça
Ibrahim Abi-Ackel que “o trabalho, amparado pela Previdência Social, será
obrigatório em todos os regimes e se desenvolverá segundo as aptidões ou ofício
anterior do preso, nos termos das exigências estabelecidas”. Nessa reforma
foram introduzidos os regimes prisionais, em número de três: fechado,
semiaberto e aberto.
O
artigo 39 do Código Penal, cuja rubrica em negrito é “trabalho do preso”, tem a
seguinte redação: “o trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe
garantidos os benefícios da Previdência Social”. Antes desse, os artigos que
falam sobre os regimes (33, 34, 35 e 36) contêm regras sobre o trabalho. Por
exemplo: o que fala sobre as regras do regime fechado (artigo 34, §§ 1°, 2° e
3°) diz que o condenado “fica sujeito a trabalho no período diurno e isolamento
durante o repouso noturno”. No regime semiaberto também (artigo 35, § 1°: o
condenado fica sujeito a trabalho em comum durante do período diurno, em
colônia penal agrícola, industrial ou similar”). Da mesma forma no regime
aberto (artigo 36, § 1°: o condenado deverá, fora do estabelecimento e sem
vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada,
permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga).
Portanto,
há previsão legal de que o preso (e em qualquer regime) trabalhe, mas o
difícil, para não dizer impossível, é compatibilizar a previsão legal com a
realidade carcerária. Em quais trabalhos seriam empregados os presos que estão
num presídio (de segurança máxima ou média) destinado ao cumprimento do regime
fechado? Quais as ferramentas que lhe poderiam ser entregues e que ele não as
usasse para atacar os agentes de segurança penitenciária ou outro preso? Em vez
de presídios seriam construídas fábricas? Em geral uma penitenciária comporta
mais de mil presos e para que houvesse uma fábrica desse porte, qual o seu
tamanho? A mão-de-obra prisional poderia concorrer com a mão-de-obra livre? Há,
sim, trabalho no regime fechado, mas em geral trabalho artesanal e alguns
trabalhos gratuitos, como, por exemplo, faxina (sim, não há empresa de limpeza
contratada para limpar os presídios), cozinha, corte de cabelo e a única
remuneração é a remição penal (a cada 3 dias trabalhos desconta-se 1 da pena).
Há trabalho também no semiaberto e também no aberto. Apenas para lembrar aos que moram em Campinas: várias pessoas de camiseta
branca e calça bege (“o país das calças bege”, da música “Diário de um detento”,
dos Racionais MC) que são vistas diariamente em trabalhos braçais nas ruas,
avenidas e praças de Campinas são presos do regime semiaberto.
A
lei de execução penal (n° 7.210/84), por seu turno, contém vários artigos (do
28 ao 37) disciplinando o trabalho do preso e destes merece destaque o artigo
28 cujo teor é o seguinte: “o trabalho do condenado, como dever social e
condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”. Desse modo, tendo em vista que já existe
regramento sobre o tema, não é necessária nenhuma “reforma penitenciária” para
o que preso trabalhe e ele trabalha conforme as condições do regime prisional
em que ele se encontra. Simples assim.
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