Repetindo
um episódio que já aconteceu em outros países e em outros tempos[1],
a multimídia Ana Hickmann viu-se envolvida num furacão, que quase lhe custou a
vida: um fã que adrede hospedara-se no mesmo hotel em que ela ficaria, em Belo
Horizonte, invadiu o seu quarto armado com um revólver, efetuando disparos em
sua direção. Foi dominado o agressor pelo cunhado de Ana Hickmann, que lhe
arrebatou a arma e com ela desferiu três tiros contra ele.
Todos
respiraram aliviados com o desfecho desfavorável ao agressor e, ao finalizar o
inquérito policial, o Delegado de Polícia relatou propondo o seu arquivamento.
Dessa opinião discordou[2]
o membro do Ministério Público que, ademais, ofereceu denúncia contra o cunhado
da estrela pelo crime de homicídio. Levantaram-se vozes indignadas contra essa
posição do Promotor de Justiça, em geral motivadas pelo desconhecimento do
funcionamento do sistema punitivo.
Algumas
breves explicações mostrarão que, denunciando o matador do agressor, o “dominus
litis” [3]
agiu razoavelmente, nada mais fazendo do que cumprir a sua obrigação: é que à
primeira vista, teria o homicida agido com excesso na legítima defesa, já que
esta causa de exclusão da ilicitude[4]
está bem delimitada no Código Penal. Com efeito, estabelece o artigo 25 do
estatuto punitivo que “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente
dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito
seu ou de outrem”. Nele estão todos os requisitos para que seja reconhecida a
legítima defesa, afastando-se a punição daquele que praticou o fato.
No
caso em análise, Ana Hickmann sofria a agressão à sua vida (“a direito seu”),
porém ela não se defendeu; quem o fez foi o seu cunhado (“direito de outrem”,
também chamada legítima defesa de terceiro). Ao conseguir dominar o agressor e
tomar-lhe a arma que utilizava no ataque, pode-se entender que a agressão à
vida de Ana já havia cessado: não era atual nem iminente; ela já havia sido
repelida, sendo, então, passada. Não obstante ter feito cessar a agressão, o
seu cunhado iniciou outra, matando o atacante e com três tiros (não vou analisar aqui onde os tiros atingiram o atacante). Estão presentes
os requisitos do crime de homicídio e não estão tão visíveis os da legítima
defesa, já que, como dito, o agressor já havia sido dominado. Ademais, é provável
que nem mesmo fossem necessários três disparos, que se mostraram mortais: talvez
somente um e apenas para ferir fosse suficiente para fazer cessar de vez aquela
agressão. Talvez nenhum disparo fosse necessário.
Embora
tenha sido judicialmente acusado, há a possibilidade de que o magistrado a quem
foi encaminhada a denúncia a rejeite; ou se recebê-la, que mais tarde ele
absolva sumariamente o cunhado da estrela; ou ainda: que ao ser julgado pelo
Tribunal do Júri, órgão do Poder Judiciário competente para fazê-lo, seja
absolvido por ter agido em legítima defesa.
Com
estas breves explicações, talvez as pessoas consigam entender o que motivou o
Promotor de Justiça a denunciar o cunhado.
[1] .
O mais rumoroso de todos foi a morte de John Lennon, ocorrida defronte ao
prédio em que ele morava, em Manhattan, Nova York, no dia 8 de dezembro de
1980.
[2] .
Se o Promotor de Justiça tivesse concordado com o pedido de arquivamento, ele o
requereria ao Juiz de Direito, que o acolheria ou não; se o acolhesse, os autos
do inquérito policial seriam arquivados; se não o acolhesse, encaminharia os
autos ao Procurador-Geral de Justiça, que teria duas opções: insistiria no arquivamento,
a que estaria obrigado o Juiz, ou então denunciaria o indiciado, podendo,
ainda, designar outro membro do Ministério Público para fazê-lo.
[3] .
Literalmente, “dono da lide”, dono da ação penal, titular do direito de acusar.
[4] .
Na legítima defesa fica afastada a ilicitude do fato.
Há que se considerar que o acusado agiu sob o império da Violenta Emoção pois o fato criminoso revestiu-se de momentos em que a razão cedeu seu lugar a emoção e o que para quem está de fora desse cenário de horror parece excesso... pode não ser para quem agia para defender sua vida como a de terceiros...
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirA minha análise restringiu-se apenas ao aspecto do afastamento da ilicitude (ou da antijuridicidade, como dizem alguns). Ademais, quem deve pronunciar-se sobre o excesso é quem aplica a lei e não quem pratica o fato.
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