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O "olho" da lei


 
            A cidade de New York vive um período eleitoral: em breve, será escolhido o seu prefeito, certamente um democrata ou um (infelizmente) republicano. A “big apple” tem sido destaque quando se fala em segurança, um tema sempre recorrente na época de eleição. Na década de 90, foi aplicada a famosa política do “law and order”, tão a gosto dos republicanos. Afirma-se que o republicano Rudolph Giuliani (um ex-promotor de justiça)  “limpou” a cidade, especialmente Manhattan, expulsando dali os criminosos.
            Hoje, fala-se muito numa prática policial em uso nessa mesma cidade, a “parar e revistar”, também discutida neste período efervescente. A escolha da pessoa que será parada e revistada, obviamente, é feita a partir do “olhômetro”: olha-se para a pessoa e, conforme a sua aparência, ela é escolhida para ser submetida a uma busca pessoal (“revista”, no jargão popular).
            Não abordarei o mérito da questão, deixando essa tarefa para outra ocasião. Apenas relatarei dois episódios que aconteceram com pessoas das quais eu me encontrava próximo e o resultado de ambos os episódios, mesmo porque aqui no Brasil o "olhômetro" é utilizado na prática da abordagem dos, por assim dizer, "suspeitos".
            O primeiro envolveu um dentista que tinha consultório no mesmo prédio em que fica o meu escritório. Era a época em que as caminhonetes começavam a ser a coqueluche e ele adquiriu uma. Ao deixar o consultório num final da tarde, a bordo de seu possante, parou num semáforo na avenida Aquidabã e foi abordado por um ladrão armado, que mandou-o sair do veículo. Ele pretendeu fugir, o ladrão atirou, acertando-o, a caminhonete andou alguns metros, imobilizando-se: ele morreu. O autor do delito nunca foi descoberto.
            O segundo episódio envolveu um jovem que morava no mesmo prédio em que eu moro. Numa noite de sábado, ele saiu de casa dirigindo o Vectra do ano (de seu pai), com um cheque em branco assinado por sua mãe, com, como é praxe, o número do telefone no verso. Estava demorando para voltar e o seu pai saiu a procura-lo nos bares do Cambuí. Enquanto procurava pelo seu filho, uma guarnição da Polícia Militar, patrulhando a periferia de Campinas, avistou um Vectra novo e resolveu abordar os ocupantes, que eram três. Fizeram-no. O que dirigia o veículo apresentou os documentos do filho do dono do veículo e a foto não era condizente. Entre os documentos estava o cheque da mãe e um dos policiais resolveu telefonar para ela. Bingo. Nenhum dos rapazes era o seu filho. Os policiais resolveram levar todos para o plantão policial e pediram ao pai do rapaz que estava "sumido" que ali comparecesse. Quando chegaram, outra guarnição da PM fez contato com o delegado plantonista comunicando o encontro na periferia  do corpo de um jovem crivado de balas. O pai do rapaz foi ao local e reconheceu o cadáver: era o seu filho.
            Os três que estavam ocupando o Vectra foram presos em flagrante, denunciados e processados pelo crime de latrocínio na 4ª Vara Criminal de Campinas e condenados a 20 anos de reclusão cada um, pena a ser cumprida integralmente no regime fechado (a lei de crimes hediondos ainda não havia sido modificada). O encontro fortuito, aliado à desconfiança dos policiais, levou à descoberta dos latrocidas, bem como à sua condenação.
            Em outra oportunidade, falarei do “parar e revistar” – que já foi objeto de polêmica pelos jornais em Campinas – sob a ótica da legalidade, num Estado Democrático de Direito.
           

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