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A cueca do Neymar e o marketing de emboscada


 

      Para muitos – especialmente os do governo federal – o fato do Brasil sediar uma Copa do Mundo seria o acontecimento do século XXI. Muito se falou sobre as obras superfaturadas – quase todas -, das obras que, embora superfaturadas, não foram concluídas a tempo ou, se foram, foram mal feitas, mas poucas pessoas prestaram atenção ao seguinte: a FIFA exigiu uma lei (federal) para reger os acontecimentos durante o período de realização dos jogos (um mês e um dia), e, claro, o Brasil  submeteu-se à exigência, produzindo-a.
      Como sempre acontece “nesta terra descoberta (infelizmente) por Cabral” e colonizada por lusitanos, a “lei geral da copa” (como foi apelidada pela mídia), tratou também da Copa das Confederações e de uma premiação tardia aos sobreviventes jogadores das seleções de 1958, 1962 e 1970. Para os campeões de 1994 e 2002 nada foi destinado, pois eles receberam muito – afinal, o “marketing” , com os seus astronômicos patrocínios e as estratosféricas premiações, já existia.
      A ementa da lei é a seguinte:
      Dispõe sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude - 2013, que serão realizadas no Brasil; altera as Leis nos 6.815, de 19 de agosto de 1980, e 10.671, de 15 de maio de 2003; e estabelece concessão de prêmio e de auxílio especial mensal aos jogadores das seleções campeãs do mundo em 1958, 1962 e 1970.
            Os jogadores que formaram nos “escretes” que tornaram o Brasil tricampeão de futebol - a taça se chamava “Jules Rimet” (francês, presidiu a FIFA de 1921 a 1974 – mais do que Havelange, aliás, Jean-Marie Faustin Goedefroid Havelange, carioca, que a presidiu de 1974 a 1998) - e o país que a abocanhasse por três vezes ficaria em com ela em definitivo (para quem não se lembra ela foi furtada da sede da então CBD no Rio e derretida, honrando a tradição brasileira da falta de respeito aos símbolos nacionais), ou os seus descendentes (sucessores) receberão R$100.000,00 (cem mil reais), e mais uma renda mensal como complemento – este é um dos temas que constam na ementa.
      A lei geral abrange praticamente todos os aspectos jurídicos: direito de propriedade, direito de comércio, direito civil, direito das sucessões, e, claro, Direito Penal. Há um capítulo denominado “disposições penais”, e ali estão algumas figuras delituosas que somente existirão até o dia 31 de dezembro de 2014 – a competição encerrar-se-á no dia 13 de julho do mesmo ano. As disposições penais são estas:
      CAPÍTULO VIII
DISPOSIÇÕES PENAIS 
Utilização indevida de Símbolos Oficiais 
Art. 30.  Reproduzir, imitar, falsificar ou modificar indevidamente quaisquer Símbolos Oficiais de titularidade da FIFA:
 Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa.
 Art. 31.  Importar, exportar, vender, distribuir, oferecer ou expor à venda, ocultar ou manter em estoque Símbolos Oficiais ou produtos resultantes da reprodução, imitação, falsificação ou modificação não autorizadas de Símbolos Oficiais para fins comerciais ou de publicidade:
 Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses ou multa.
 Marketing de Emboscada por Associação 
Art. 32.  Divulgar marcas, produtos ou serviços, com o fim de alcançar vantagem econômica ou publicitária, por meio de associação direta ou indireta com os Eventos ou Símbolos Oficiais, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, induzindo terceiros a acreditar que tais marcas, produtos ou serviços são aprovados, autorizados ou endossados pela FIFA:
 Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa.
 Parágrafo único.  Na mesma pena incorre quem, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, vincular o uso de Ingressos, convites ou qualquer espécie de autorização de acesso aos Eventos a ações de publicidade ou atividade comerciais, com o intuito de obter vantagem econômica.
 Marketing de Emboscada por Intrusão 
Art. 33.  Expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos, serviços ou praticar atividade promocional, não autorizados pela FIFA ou por pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos locais da ocorrência dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa.
 Art. 34.  Nos crimes previstos neste Capítulo, somente se procede mediante representação da FIFA.
 Art. 35.  Na fixação da pena de multa prevista neste Capítulo e nos arts. 41-B a 41-G da Lei no 10.671, de 15 de maio de 2003, quando os delitos forem relacionados às Competições, o limite a que se refere o § 1o do art. 49 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), pode ser acrescido ou reduzido em até 10 (dez) vezes, de acordo com as condições financeiras do autor da infração e da vantagem indevidamente auferida.
 Art. 36.  Os tipos penais previstos neste Capítulo terão vigência até o dia 31 de dezembro de 2014. 
Neymar, a exemplo do que fizera numa partida do time a que pertence, sem qualquer cerimônia, numa jogada simples, fez com que a sua camiseta se levantasse e exibiu uma marca de cueca fabricada no Brasil (óbvio que ele tem um contrato de patrocínio com essa marca, mas como é uma “roupa de baixo”, ele precisava encontrar um meio de exibi-la – diferentemente com o que ocorre com as chuteiras, que são por demais visíveis), resolveu repetir a experiência durante a Copa e esta é proibida com ameaça de pena, segundo a “lei geral da copa”. A fabricante da peça de roupa não é patrocinadora da Copa.
A conduta do atacante brasileiro pode configurar o delito de “marketing de emboscada por intrusão”, descrita no artigo 33 da lei respectiva, cuja pena cominada é de 3 meses a 1 ano de detenção ou multa. Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, prevista na Lei n° 9.099/95, sendo que, se o autor do fato concordar (sempre acompanhado de advogado), pode o juiz impor uma pena restritiva de direitos ou somente uma multa. No cotidiano jurídico, o que se tem como aplicação de pena restritiva de direitos é a prestação de serviços à comunidade consistente no pagamento de uma cesta básica a uma instituição de caridade (ou, dependendo da situação econômica da pessoa “acusada”, várias cestas básicas – ou vários salários mínimos).
Pela brandura da lei, é vantajoso ao atacante que faça esse marketing – afinal, ele está recebendo milhares de euros? dólares? reais? pelo uso da cueca e algumas (ou muitas) cestas básicas que ele concordar em doar serão como uma gota d’água numa piscina.



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