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O juiz Lalau e a pena de empobrecimento




      Quase todos os brasileiros sabem quem é o juiz Lalau: nomeado desembargador trabalhista pelo quinto constitucional, foi presidente do 1° TRT e durante a construção do foro trabalhista desviou, auxiliado por outras pessoas, a quantia, na época, de mais de 170 milhões de reais (corrigida, essa quantia ascende a mais de 1 bilhão). Processado por crimes contra a Administração Pública (entre outros), a justiça pespegou-lhe uma pena de mais de 30 anos de reclusão, dos quais ele cumpriu aproximadamente 14 anos (entre presídio e prisão domiciliar). Finalmente, por ter mais de 70 anos e ser portador de doenças e, além disso, ter cumprido mais de ¼ da pena, foi indultado em junho de 2014, o que extinguiu a sua punibilidade. A quantia desviada não foi totalmente recuperada. Do montante desviado, foram reavidos pouco mais de 10 milhões.
      Assistindo a um jornal televisivo (Jornal do SBT), tive a oportunidade de ver e ouvir a entrevista de uma pessoa, chamada pelo repórter de “jurista”, que afirmou, com todas as letras, que a pena em casos similares deveria ser a de “empobrecimento”, visto que, nas entrelinhas, estava nítido que uma pouquíssima parte da vultosa quantia “desviada” fora recuperada. Deixando de lado a tolice da afirmação, porque, é claro, uma pena assim fatalmente ultrapassaria a pessoa do condenado, violando, dessa forma, preceito constitucional, é interessante saber se no Brasil há mecanismos legais para reaver o dinheiro que é produto do crime.
      O Código de Processo Penal, que é do ano de 1941, contém no Título VI – das questões e processos incidentes -, da Parte Geral, um capítulo, o de número VI, “das medidas assecuratórias”, cujo primeiro artigo, de número 125, tem o seguinte teor: “caberá o sequestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiros”. Esse capítulo prossegue até o artigo 144-A, fruto de uma lei de 2012 (n° 12.694), que introduziu ali outras alterações. Cronologicamente, também a Constituição da República Federativa do Brasil, que é de 1988, tem, no artigo 5°, inciso XLV, a seguinte redação: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação de perdimento de bens, ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.
      O Código Penal também contém disposições que se aplicam aos crimes que produzem um ganho ao sujeito ativo: uma das penas restritivas de direitos (também conhecidas como “alternativas” ou “substitutivas”) chama-se “perda de bens e valores” (artigo 43, inciso II) e o seu teor é este: “a perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em consequência da prática do crime” (artigo 45, § 3°). Porém, esta espécie de pena tem alguns limitadores e um deles é a quantidade de pena privativa de liberdade aplicada para que possa haver a substituição pela restritiva de direito: 4 anos.
      Existem, portanto, mecanismos legais – e há muito tempo – de que se pode valer o Estado no afã de reaver aquilo que produziu um “lucro” ao criminoso, porém a agilidade do sujeito ativo, “pulverizando” o ganho (e uma das formas de que eles se valem é a lavagem de dinheiro), aliada à morosidade da justiça, em muitas ocasiões fazem com a quantia ressarcida seja pífia. às vezes, nada.
      Como seria a pena proposta de “empobrecimento”? O jurista não a especificou (talvez pelos poucos segundos de duração da entrevista) e nem conseguiria, é óbvio, porque ela, a pena, fatalmente agrediria o preceito constitucional de que nenhuma pena ultrapassará a pessoa do condenado, lastreado no princípio da personalidade da responsabilidade criminal, porque, ele “empobrecido”, os que dele dependessem ficariam à míngua.
      O jurista somente pode ter querido dizer algo para agradar as massas (no popular: "jogar para a torcida"), porque, é lícito supor, ele sabia que grande parte da população estava revoltada, em primeiro lugar pela concessão do indulto, e, em segundo lugar, como já dito, pela não recuperação da quantia desviada, e estava ávida para ouvir o que ele disse.

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