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O anão do orçamento e os maus tratos ao filho




        
                Ele tinha uma extensa carreira política: vereador, deputado estadual e deputado federal (sem contar que fora candidato ao cargo de prefeito de Campinas, porém derrotado). Enquanto deputado federal, foi envolvido na CPI que a mídia, sempre ávida em descobrir um epíteto que simplifique ou resuma tudo, chamou-a de “CPI dos anões do orçamento”. No caso dele, caía como uma luva, pois ele mal superava 1 metro e 60 centímetros de altura. Embora pequeno, a acusação que contra si pesava era mais apropriada para um gigante.
            O epíteto “anões do orçamento” tinha uma explicação lógica: quase todos os parlamentares envolvidos eram de baixa estatura. Não eram apenas sete, como no conto, mas 37, e, certamente, não havia uma Branca de Neve.
            Quando tudo veio a público, a esposa do “anão” em questão delatou-o em depoimento perante a CPI, escafedendo-se a seguir, indo fixar residência em Miami. Em seu depoimento, ela relatou a vida nababesca em que viviam graças ao desvio do dinheiro público por ele praticado; uma das facetas dessa vida era a moradia faraônica que estava sendo construída.. Depois da delação, ela bandeou-se para aquela aprazível cidade no estado da Flórida. Ele, para escapar do processo parlamentar e, consequentemente, da cassação, o "anão" renunciou ao mandato.
            Tempos depois, numa altercação com um dos seus filhos, o mais novo, um adolescente, o “anão” chegou às vias de fato, dando-lhe alguns “cascudos” que lhe provocaram lesões corporais levíssimas. O adolescente telefonou para uma tia que, apressadamente, dirigiu-se ao plantão policial, levando consigo a vítima e ali foi lavrado um “termo circunstanciado de ocorrência” (TCO), com fundamento na lei dos juizados especiais criminais, já que se tratava de infração penal de menor potencial ofensivo. O adolescente foi submetido a exame de corpo de delito e os peritos constataram lesão levíssima. Talvez a melhor tipificação jurídico-penal fosse a do crime de maus tratos, previsto no artigo 136 do Código Penal, porém a autoridade policial a quem a ocorrência foi apresentada optou por enquadrar a conduta do "anão" no artigo 129, “caput”, do Código Penal.
            O TCO foi remetido a juízo e distribuído à 1ª Vara Criminal da comarca de Campinas. No dia marcado para a audiência de transação penal (em que, se o apontado autor do fato aceitar a proposta, geralmente de doação de uma cesta básica [ou mais de uma] a um entidade assistencial, o TCO é arquivado), coube a mim estar presente pela PAJ Criminal. Os representantes do adolescente seriam os seus pais, porém o pai não poderia ser porque era o agressor e a mãe havia se mudado para Miami, de forma que a representação do menor coube à PAJ, no caso, a mim: cabia a mim decidir se o “anão do orçamento”, que matreiramente houvera escapado da cassação parlamentar, seria, agora, alcançado pela justiça criminal. Pai – agressor – e filho – vítima – conversavam animadamente no corredor do quinto andar do fórum, onde se localizava a 1ª Vara Criminal, e, ao consultar o adolescente, sobre a sua vontade de prosseguir com o “processo”, ouvi dele que não pretendia a continuação.
            Ao me ser dada a palavra na abertura da audiência, como representante do adolescente-vítima, disse que não havia interesse no prosseguimento da causa, o que fez com que o magistrado determinasse o arquivamento do "termo circunstanciado de ocorrência"..
            Pela segunda vez, o “anão” escapou das malhas da justiça.
(Capítulo do livro "Casos de júri e outros casos" volume 2, a ser publicado.)

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