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Mostrando postagens de 2020

Logradouros

Nasci e passei a adolescência numa cidade pequena chamada Jaú. Naquela época era mais do que comum as pessoas frequentarem as praças: em geral, elas tinham coreto e era hábito uma banda tocar algumas músicas nos fins de semana. Na minha cidade eram duas as praças, que nós as chamávamos de “jardim de baixo” e “jardim de cima”. O “de baixo” era mais completo: coreto, banheiros no subsolo, bancos, árvores, gramado e bem maior. O “de cima” ficava defronte a Igreja Matriz Nossa Senhora do Patrocínio (belíssima) e era nesta que as moças faziam “footing”, andando em círculos enquanto “os varões” a tudo assistiam. Quando nos mudamos para Campinas vimos que as praças eram em muito maior número (claro: a cidade era muito maior). Largo do Pará, Praça Carlos Gomes, Praça Silvia Simões Magro (popularmente “Largo São Benedito”) só para citar alguns; desta última tenho muitas lembranças, pois meus avós moravam bem defronte a praça, na rua Duque de Caxias, 818 (nesse local hoje há um prédio). Co...

O rei das liminares

Muita gente se indignou com a soltura do traficante André do Rap, que, condenado em dois processos pendentes de julgamento de recursos, amargava, ainda, um decreto de prisão preventiva, lavrado há mais de um ano. Não tendo sido renovada a decretação da prisão preventiva, exigência que veio a fazer parte do ordenamento jurídico por força do “pacote anticrime” (Lei n° 13.964, de 24 de dezembro de 2019), ele ajuizou perante o STF uma ordem de “habeas corpus”, com pedido de liminar, que foi prontamente deferida. Solto das amarras, o traficante escafedeu-se, homiziando-se no exterior. O problema da liminar em pedidos de “habeas corpus” é extremamente complexo. Ao contrário do mandado de segurança, em que a lei específica prevê a concessão de medida liminar quando houver o perigo de que o direito pereça, no “remédio heroico” não há essa previsão. O “habeas corpus” está previsto na Constituição da República Federativa do Brasil, pode-se dizer, desde sempre. Seu artigo 5°, inciso LXVIII,...

O ministro e o rap

Por intermédio de uma liminar concedida num pedido de “habeas corpus”, o Ministro do STF Marco Aurélio Mello, um dos maiores figurões de uma organização criminosa foi solto. Pelo que se descobriu até agora, fugiu do Brasil, tendo se homiziado num país vizinho. A decisão foi cassada por outra decisão, desta vez do presidente do STF, o Ministro Luiz Fux. A cassação, por si só, é incomum, embora um ou outro precedente possa ser encontrado. Sob o ponto de vista da legalidade, a decisão de soltar o traficante não pode sofrer nenhuma crítica: o ministro fundamentou a sua decisão no pacote anticrime, a lei que para os adoradores de Sergio Moro iria definitivamente banir os delitos; a sociedade brasileira passaria a viver um clima de respeito e paz. Essa lei modificou artigos de várias leis (Lei de Execução Penal, Código Penal, por exemplo), modificando, no que importa a esta discussão, o Código de Processo Penal, especialmente no que diz respeito à decretação (e manutenção) da prisão pro...

Perdemos a referência

Com a morte da Tia Itália, perdemos a referência familiar. A caçula dos filhos de Edoardo e Olímpia tornou-se uma referência desde principalmente 17 de maio de 2008, quando completou 80 anos e houve uma grande festa de comemoração. A partir dessa data, todos os anos membros da família iam à Jaú no mês de maio para, pelo menos, dar-lhe parabéns, às vezes comendo uma feijoada por ela feita. Desde o seu nascimento, a sua vida era interessante e digna de ser contada: nasceu na Itália e numa viagem em que o seu pai, Edoardo, foi recebido pelo Papa, que lhe deu a relíquia de Santo Antônio. Quando sua família se mudou para Jaú, na década de ’60, a casa escolhida como moradia localizava-se bem defronte à de sua irmã Clotilde: nós morávamos na Rua Tenente Navarro, 250, e eles moravam num sobrado em que os andares eram autônomos: na parte superior morava a família de um carioca professor de jiu-jitsu, de sobrenome Gracie (cuja dinastia posteriormente teve grande envolvimento nas lutas de MMA...

Chantagem nas redes

Aquilo que vulgarmente se conhece como “chantagem” tem, em Direito Penal, outro nome: extorsão. É classificado como um crime patrimonial e vem definido no artigo 158 do Código Penal: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem, indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”. A pena é de reclusão, de 4 a 10 anos, mais multa (esta é fixada em dias-multa, no mínimo 10, no máximo 360, no valor de 10% do salário mínimo a 3 vezes o mesmo salário). No conceito de grave ameaça, e os penalistas dão isso como exemplo, está contida a ameaça de revelar fatos desonrosos da pessoa de quem quer se obter a vantagem econômica indevida, ainda que os fatos sejam verdadeiros. Por exemplo: uma pessoa descobre que um homem casado vive uma aventura extra conjugal e ameaça contar o fato à esposa do adúltero caso não lhe seja dada determinada quantia. O fato em si é verdadeiro e o que lei reprime é a inte...

A máscara e o sorvete

Cenas de vandalismo agitaram os noticiários dias atrás: nelas, uma pessoa sem máscara pratica atos de barbárie em uma sorveteria, dizendo palavrões, proferindo ameaças, chutando cadeiras. O gatilho dos acontecimentos teria sido o fato de o autor não estar usando máscara ao adentrar o estabelecimento, o que fez com que a proprietária se recusasse a servi-lo. Como sói ocorrer em situações que tais, houve um bombardeio nas redes sociais. mostrando o agressor por diversos ângulos: mais, foram escarafunchar sua vida pregressa e foi encontrado um antecedente em que ele foi processado pelo Ministério Público Federal sob a acusação de haver cometido o crime de ameaça contra uma médica perita do INSS, que deu parecer contrário à sua pretensão de auxílio saúde, na cidade de Jaú. Foi condenado, porém, interpôs recurso. Como se vê, trata-se de pessoa que não conhece freios inibitórios. No caso da sorveteria, o apontado autor dos fatos gravou, dias após o acontecimento, um vídeo e postou-o nas...

A menina de 10 anos, o estupro, a gravidez e o aborto

             Um acontecimento mobilizou as atenções dias atrás envolvendo uma menina de 10 anos de idade, que era estuprada por um tio de 33 anos, ficou grávida e a interrupção da gravidez foi autorizada judicialmente, tendo sido realizada. Mobilizou grupos pró e contra o aborto, mas, pelo bem ou pelo mal, a medida determinada pelo juiz está profundamente embasada na legislação penal.            No Brasil existem três tipos de aborto: auto aborto (em que se pune também o consentimento da gestante para que outrem o realize), aborto sem o consentimento da gestante e aborto com consentimento da gestante. O primeiro está definido no artigo 124 (“aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento”) do Código Penal assim: “provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque”. A pena é de detenção, de 1 a 3 anos. O segundo vem definido no artigo 125 (“aborto provocado por te...

O estelionato e a lei anticrime

           O nome desse crime contra o patrimônio – estelionato – deriva do latim “stellio”, “stellionis”, que significa camaleão. Já era punido na época do Direito Romano. Dizem alguns doutrinadores que o nome foi dado ao crime como alusão à esperteza desse animal, que, como se sabe à larga, muda de cor para, nas mais das vezes, enganar os seus predadores. Talvez também as suas vítimas, para melhor apanhá-las. O bicho altera a realidade, criando uma ilusão.          O mesmo se dá no crime em questão: o sujeito ativo altera a realidade para melhor iludir a sua vítima, e, com isso, obter uma vantagem ilícita. O Código Penal o define no artigo 171 assim: “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer meio fraudulento”, com a pena de 1 a 5 anos de reclusão, mais multa. (Do número do artigo derivou uma gíria policial em ...