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Mostrando postagens de junho, 2012

Porque hoje é sexta

Três temas que ocuparam a semana que se finda: a) aumentou o número de estupros na cidade de Campinas em torno de 30% comparado com o mesmo período do ano passado. Essa é mais uma demonstração de que não adianta aprovar penas maiores somente com o intuito de fazer diminuir a ocorrência do delito. A lição é antiga e pode ser vista na obra do Marquês de Beccaria, Cesare Bonesanna, "Dos delitos e das penas", escrito em 1764, mas parece que os legisladores não a aprendeream (ou fazem de conta que não aprenderam): "quanto mais atrozes forem os castigos, mais audacioso será o culpado para evitá-los". De nada adianta punição severa que, embora aplicada, na maioria das vezes não é cumprida. A isso deu-se o nome de "Direito Penal simbólico". O crime de estupro serve como um bom exemplo do não aprendizado da vetusta lição: com a lei 8.072/90 passou a ser crime hediondo e teve a pena aumentada (reclusão, de 3 a 6 anos para 6 a 10 anos) e o condenado deveria cumpri-

Orhan Pamuk e a professora de Sumaré II

No texto de ontem, abordei a forma como a educação - ou o ensino, se preferirem - vem sendo tratada no Brasil e no mundo nas últimas décadas, bem como o despreparo dos professores. Preferiu-se substituir o castigo, seja físico ou não, pelo diálogo ("conversa", no dizer de algumas pessoas), mas a velocidade dos acontecimentos tem impedido que o diálogo seja adotado como solução, e mais, que ele seja duradouro e não de apenas alguns minutos. Um diálogo para um aluno que apresenta problema grave na escola deve ter a mesma duração, creio eu, de uma abordagem psicanalítica: não serão alguns minutos que resolverão a situação. Nós, alunos, tremíamos de medo quando nos comunicavam que teríamos que ir "à diretoria": certamente tomaríamos "um pito" do diretor, além da ocorrência constar da caderneta onde eram escritas as notas... e o comportamento. Ao contrário do que ocorria, hoje em dia, especialmente na escola pública, a mídia tem noticiado brigas - e tudo filma

Orhan Pamuk e a professora de Sumaré

Orhan Pamuk é um escritor turco, agraciado com o Premio Nobel de literatura de 2006. Num de seus livros, Istambul (alguns analistas o apontam como autobiográfico), ele conta que lembra quando foi introduzida na pedagogia da escola em que estudava uma vara longa, que permitia ao professor pespegar varadas nos alunos sem sair da sua cadeira (cátedra, na linguagem antiga). Ele é 4 anos mais novo do que eu, de forma que se pode dizer que somos contemporâneos. Eu lembro do tempo em que estudava em um colégio católico masculino (Colégio São Norberto de Jaú [ou do Jaú, como se dizia], que nós chamávamos de "colégio dos padres", em contraposição ao colégio católico feminino, vizinho, administrado por freiras - Colégio São José, que nós chamávamos de "colégio das freiras"), em que os nossos professores, a maioria padres belgas, da ordem premonstratense, praticavam agressões físicas, consistentes em tapas na orelha ou "coques" na cabeça, contra os alunos indisciplin

O Uruguai e a maconha II

Dias atrás postei aqui um texto em que tecia algumas considerações a respeito da criminalização das drogas, especialmente da maconha, tendo em vista que um vizinho do Brasil se propõe a "estatizar" a venda dessa substância entorpecente. O Brasil, conforme expus, teve alguns momentos de criminalização do uso de droga, seja ela qual fosse, não fazendo diferença entre usuário e traficante; a partir de 1976 houve um abrandamento da punição do porte para uso próprio (em que pela primeira vez se fez a diferenciação), chegando, em 2006, a praticamente ocorrer uma despenalização, ficando a, por assim dizer, punição restrita a advertência ou prestação de serviços à comunidade, podendo, ainda, a pessoa inscrever-se em curso. A comissão que redige o projeto de Código Penal pretende descriminalizar o porte para uso próprio, seguindo um caminho natural. Sobre esse assunto, a FOLHA DE S. PAULO, na seção "tendências/debates" de 9 de junho passado, ouviu, como sempre faz, duas op

Porto Grande e a insuficiência peniana

Recebi um e-mail de uma pessoa que não é da área jurídica que relatava (na verdade, copiava) uma notícia inusitada: uma mulher, advogada, de 26 anos, residente no estado do Amapá, ajuizou uma ação contra seu marido por insuficiência peniana. Antes de qualquer coisa, quero registrar que pesquisei, como sempre faço com notícias insólitas, em pelo menos 3 sites e a conclusão foi a mesma: o fato existiu (falta acionar o e-farsas , um site especializado em desmentidos). Vale a pena transcrever a notícia (o que faço do "site" www.exercitouniversal.com.br): Karla Dias Baptista, 26 anos, advogada e residente no município de Porto Grande no Amapá decidiu processar seu ex-marido por uma questão até então inusitada na jurisprudência nacional. Ela processa Antonio Chagas Dolores, comerciante de 53 anos, por insignificância peniana. Embora seja inédito no Brasil, os processos por insignificância peniana são bastante frequentes nos Estados Unidos e Canadá. Esta moléstia é carac

O Uruguai e a maconha

Caiu como uma bomba a notícia: o Uruguai pretende oficializar a venda da maconha. O tema é totalmente polêmico e tem ocupado há muito as atenções dos legisladores. Quando eu ainda cursava faculdade - e sou formado na turma de 75 da PUCCampinas - lembro de ter lido um entrevista daquele que era um dos maiores penalistas de então, Heleno Cláudio Fragoso, advogando a descriminalização da maconha. Esta droga é chamada de "entorpecente dos pobres", não apenas - a meu ver - por ser barato, e, portanto, facilmente de ser adquirido até por pessoas pobres, mas sim porque os seus efeitos são, dentre as drogas, os mais pobres. Recuando ainda mais no tempo, no final da década de 60 eu tive um professor de inglês, de nacionalidade sul-africana, que me contou que em seu país um cigarro com porcentagem de "cannabis sativa L." era receitado pelos médicos às pessoas que tinham algum tipo de problema respiratório. Dizia ele que o princípio ativo da "cannabis", o THC (tetrah

A foto

A foto foi mostrada à exaustão, percorreu todas as mídias, sofreu montagens, foram feitas críticas e seguramente ela fará parte da história. Estou me referindo à foto em que aparecem Lula, Haddad e Maluf, selando uma impensável aliança que valerá para a eleição à prefeitura de São Paulo. Alguns detalhes dela merecem destaque: a) os dois políticos, inimigos figadais (pelo menos foi o que eles demonstraram durante muitos anos, com recíprocos ataques à honra), estão se olhando nos olhos, como fazem os melhores amigos; b) as mãos estão firmemente apertadas, como convém a pessoas que se admiram e se respeitam; c) ambos estão com um sorriso franco e aberto, como se aquilo que acabaram de selar fosse algo que os tenha agradado profundamente. Outras observações: d) Lula durante mais de 20 anos pregou que o partido que ele fundou e que durante todo esse tempo encarnou faria política com ética, ou, em outras palavras, ética na política: nesta quadra de sua vida ele sela um acordo com um po

A reeducação

A Comissão de Juristas nomeada pelo presidente do Senado,  (o infelizmente imortal) José Sarney, ultima a redação do anteprojeto de Código Penal e mal a obra foi dada à luz já começaram as críticas. A mais sólida foi a publicada na FSP do dia 18 de junho de 2012 e é uma entrevista dada por Janaína Conceição Paschoal, professora na USP. A crítica merece reflexão: essa Comissão desconhece a ideia do "Direito Penal mínimo", do italiano Luigi Ferrajoli, autor de uma obra essencial denominada "Diritto e raggione" (há uma tradução no Brasil, "Direito e razão", mas que mutilou o original, contendo erros gravíssimos; há outra em espanhol, "Derecho y razón", melhor do que a tradução portuguesa). Essa ideia já permeava o Direito Penal, no sentido de que ele seja utilizado o quanto menos possível, deixando a proteção de bens jurídicos a cargo de outros ramos do Direito. Por exemplo: em vez de criminalizar a conduta da pessoa que dirige sem estar habilitada

O século passado

Parece que foi ontem, mas tudo isso aconteceu no século passado. Não faz um século, porém, mas meio ou mais, sim. Foi naquele século que o Brasil - o ex-país do futebol - teve uma das melhores equipes, a que venceu a Copa do Mundo da Suécia e revelou ao mundo um adolescente que se tornaria o "atleta do século", ou "de todos os tempos". Não havia televisão para assistir às exibições do "escrete canarinho": ouvíamos tudo pelo rádio, com aquela estática ao fundo, e a imaginação se deixando levar pelo entusiasmo dos narradores. Depois desse triunfo, ainda no mesmo século, o Brasil se tornou bi-campeão - ainda não pudemos ver pela televisão. E, ainda naquele século, já com transmissão em cores, foi possível ver o Brasil vencer pela terceira vez a Copa do Mundo e ficar definitivamente com a Taça Jules Rimet (ficar definitivamente é força de expressão, porque algum sem-educação furtou-a e derreteu-a [já naquele século o brasileiro não tinha educação - destruía at

As curtas da sexta

1) Duas manchetes da FSP de hoje: a) CPI quebra sigilo de petista e tucano por período de 10 anos - ambos são, respectivamente, o governador do DF, Agnelo Queiroz, e o de GO, Marconi Perillo. Parece-me que faltou um governador nesse rol, exatamente aquele "amigão" do dono da Delta, que constantemente viajava com ele, utilizava o seu helicóptero e foi flagrado em situações em sua companhia no mínimo constrangedoras em festinhas na cidade luz, Paris, várias delas expostas no blog de um deputado federal pelo RJ, Garotinho; mas ele tem santo forte, no caso o seu partido, o de maior bancada na Câmara; mas isso não passará incólume, pois não fica inibido o MP de requerer ao STJ a investigação;  b) Câmara quer aumentar a verba de deputados - no caso, querem os nobres parlamentares um aumento da verba de gabinete, atualmente de 60 mil reais, para 75 mil reais MENSAIS; a notícia informa ainda que ssa verba é usada para contratar SEM CONCURSO até 25 ASSESSORES. Não é erro de digitaçã

O atirador gago

                        O Código Penal descreve apenas crimes consumados: matar alguém; subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Porém, se o sujeito ativo não conseguir atingir a consumação – chamada de meta pretendida, ou “meta optata” – por circunstâncias alheias à sua vontade, ele é punido pelo crime tentado; a pena prevista para o crime tentado (ou, como preferem dizer alguns, “tentativa de crime”) é a mesma do crime consumado, porém diminuída de um a dois terços. A doutrina divide o caminho do crime – ou “iter criminis” – percorrido pelo sujeito ativo em três, por assim dizer, frações: cogitação, preparação e consumação. Com a primeira não se preocupa o Direito Penal, pois “cogitationis poenam nemo patitur”; em regra, nem com o segundo, mas esta regra possui exceções, em que se pune a preparação: uma delas está no crime “petrechos para falsificação” [1] ; finalmente, quando entra na execução, pode conseguir a consumação ou não.                         Por

Leis

No estudo do Direito, os sistemas jurídicos são divididos em "common law" e "civil law". Rudimentarmente, o primeiro se baseia em decisões dos tribunais (os precedentes) e o segundo em atos legislativos, ou seja, em leis. Não se pense que num país que segue o primeiro não exista Poder Legislativo, porque, há, sim, e tal poder discute e aprova as leis. Alega-se que nos Estados Unidos da América do Norte o sistema é o do "common law", mas, estudando-, constata-se que não é um sistema puro, pois há alguns estados em que a influência do outro sistema é nítida, como, por exemplo, na Louisiana, em que há influência da França, um país que segue a "civil law". O Brasil segue o sistema "civil law", embora o precedente tenha, a partir da Emenda Constitucional 45, passado a ter peso, exagerando, quase igual ao do precedente: é a súmula vinculante, mediante a qual o Supremo Tribunal Federal redige ementas que têm a força de lei. Como exemplo, o u

Old fashioned

No filme "Os Vingadores", ainda em exibição nos cinemas, há um diálogo interessante entre o agente Coulson e o Capitão América, em que aquele diz a este que (devendo entrar em ação) que o seu uniforme está pronto. O Super Herói pergunta: "aquelas listras, aquela estrela"? Isso não é antiquado? (old fashioned)". O agente Coulson responde que o mundo está precisando de coisas antiquadas. Um diálogo de um filme de muita ação não leva o espectador, principalmente o público que gosta desse tipo de filme, majoritariamente jovem, a formar uma ideia sobre a sua profundidade. Pensei no diálogo dia destes, em duas ocasiões. Uma delas quando ia, a pé, pela avenida Francisco Glicério e atravessaria a rua Benjamin Constant. O semáforo para pedestres estava fechado, com a mão vermelha acesa e as pessoas olimpicamente ignoravam-no, fazendo muitas vezes com que os motoristas detivessem os seus veículos. Olhei uma dessas pessoas no rosto e vi-o carregado, como se estivesse com

Curtas

1) Fazia tempo que a metereologia não acertava tão em cheio: previu chuva e queda da temperatura e todo o previsto aconteceu. Pela previsão, o "astro-rei" somente aparecerá amanhã, sábado, o que será uma novidade: geralmente nos "feriadões",  chove no sábado (talvez não haja mais água para cair...). De resto, chuva, vento, frio, todos os ingredientes para estragar um fim de semana prolongado. 2) O segundo componente do Grand Slam, Roland Garros, Paris, está chegando ao fim de forma monótona: Nadal "atropelando" os adversários (venceu todos os jogos por 3x0), em alguns casos "humilhando" o adversário (como, por exemplo, contra o argentino Juan Mônaco ["Pico", como o chamam os seus compatriotas], com 6x0 no segundo e terceiro sets) e já na final. Federer e Djokovic estão iniciando a peleja agora. Se a chuva não interromper a contenda, será o melhor programa para hoje, porque em cinema nem dá para pensar, já que a diversão de campineiro n

"Zé Manco"

                        Não era, conforme pode parecer, um apelido politicamente incorreto; afinal, ele não tinha nenhuma deficiência física, pelo contrário: o seu deambular era perfeito. Chamou-me logo a atenção a discrepância entre o apelido e a sua condição física.                         Ele era acusado de haver tentado matar um rapaz com quem consumira entorpecente numa “balada” que perdurou toda uma noite; a vítima ficara paraplégica, pois o projétil a atingira na coluna vertebral.                         Segundo a versão oferecida em declarações pela vítima – não havia testemunha presencial – ela havia apanhado uma caixa de cerveja em lata de sua casa e fora a um posto de gasolina nas proximidades para vendê-la e com o dinheiro obtido comprar entorpecente. “Zé Manco” – a vítima o chamava assim – ocupando um “fusca”, estivera no posto para abastecer o carro e entabulara conversa com ela; simpatizaram um com o outro e saíram para uma “rodada de consumo de entorpecente

A Vitimologia e o Poder Público

No texto anterior aqui postado, comentei uma "cartilha" da Polícia Militar do Estado de São Paulo em que  expõe aos usuários de bancos alguns cuidados que, se cumpridos, evitam que se tornem vítimas de crime patrimonial. É óbvio que esse comportamento não afasta a obrigação do Poder Público de nos garantir a paz necessária a uma vida digna. O Direito Penal, cuja função é garantir os mais importantes bens (vida, integridade corporal, patrimônio), somente pode ser exercido pelo Estado: o "jus puniendi", poder-dever de punir, é de exercício exclusivo do Estado. É certo, todavia, que não se pode colocar um policial, fardado ou não, em cada esquina (respeitadas as atribuições de cada polícia), vigiando a todo o tempo a fim de nenhum crime seja cometido. Ninguém em sã consciência advogaria uma solução como essa, porque ela seria, no mínimo, constrangedora. Nenhuma ditadura, por mais sanguinária que tenha sido, exerceu tal forma de policiamento. Levando-se em conta que o

A Vitimologia e a Polícia Militar

A Vitimologia estuda o comportamento da vítima, sob vários ângulos, no cometimento do crime. Alguns autores negam-lhe a dignidade de ciência; porém, não é difícil constatar que o Direito Penal brasileiro faz referência ao comportamento da vítima em várias passagens: assim é no artigo 59, em que estão as circunstâncias judiciais que devem ser analisadas pelo magistrado na primeira fase de aplicação da pena, ao fixar a pena-base, em que há referência ao "comportamento da vítima". Há uma circunstância atenuante genérica, a ser sopesada na segunda fase da aplicação da pena, consistente em ter sido o crime cometido "sob a influência de violenta emoção, provocado por ato injusto da vítima"(artigo 65, inciso III, letra "c"). Também no homicídio privilegiado, em que o artigo 121, parágrafo 1o, a lei alude ao crime de morte cometido "sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima", hipótese em que a pena deve ser diminuíd

A calcinha e o vibrador

Brasília continua agitada pelos recentes acontecimentos. Porém, ao contrário do que se possa pensar, não se trata do que acontece na CPMI do "Carlinhos Cachoeira", com sessões em que não impera a urbanidade e sim o desrespeito à dignidade da pessoa humana, uma das pedras angulares do Estado Democrático de Direito conforme está escrito  na Constituição da República Federativa do Brasil. Os nobres parlamentares descumprem aquilo que juraram respeitar, a Constituição e as leis, ofendendo a honra dos que "teimam" (por vezes, amparados por medida liminar [desnecessária, segundo entendo] concedida pelo Supremo Tribunal Federal) em exercer o constitucional direito de permanecer em silêncio (já abordei este tema aqui). Alguns, intrometendo-se no trabalho do STF, censuram as liminares que têm sido concedidas, desconhecendo a teoria da tripartição dos poderes e da harmonia que deve existir entre eles. Duas notícias que provocaram um sismo na capital federal têm forte conotaç