Pular para o conteúdo principal

O sinalizador, a morte no estádio e a punição do autor

 
            O trágico acontecimento que vitimou um torcedor em pleno estádio em que jogava o Corínthians, na Bolívia, não saiu da mídia desde que se verificou e ganhou novos holofotes quando um menor, de 17 anos, torcedor da agremiação brasileira, apresentou-se como sendo o autor do fato. Desde logo, em sua defesa afirmou que o artefato disparou acidentalmente e que, como muitos já estariam pensando, não assumiu a responsabilidade por ser menor de 18 anos. Façamos algumas reflexões.
            O crime: o local de seu cometimento – a morte deu-se no território boliviano, o que deve fazer com que a sua lei penal seja aplicada ao fato, conforme determina o artigo 1 (“en cuanto ao espacio”), inciso 1 (“a delitos cometidos en el territorio de Bolivia o en los lugares sometidos a su jurisdicción") do Código Penal. Igualmente ao que ocorre no Brasil, a morte é punida e também sob a denominação de homicídio. A sua tipificação está no artigo 251, com a seguinte descrição: “el que matara a otro, será sancionado com  presídio de 5 a 20 anos”. Há, ainda o delito de “asesinato”, que para nós equivale ao homicídio qualificado e que está previsto no artigo 252, com pena de 30 anos de presídio. Também como aqui, há a figura do homicídio culposo, descrito no artigo 260, com a pena de 6 meses a 3 anos de “reclusión”.
            O crime: aplicação da lei – a lei brasileira, como de resto acontece em todos os países do mundo (inclusive na Bolívia, como visto), aplica-se aos fatos ocorridos em seu território, conforme estabelece o artigo 5º (territorialidade), abrindo exceções quando o fato tenha ocorrido fora do território nacional (extraterritorialidade), estabelecendo que se aplica a lei penal brasileira ao crime cometido no estrangeiro “quando cometido por brasileiro”(artigo 7º, inciso II, letra “b”). De outra parte, a “lei maior”, a Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, no artigo 5º, inciso LI, que "nenhum brasileiro será extraditado”. Ademais, o Código Penal brasileiro  estabelece que a maioridade penal é atingida aos 18 anos, conforme está no artigo 27; porém, a boliviana prevê que a maioridade penal se dá aos 16 anos.
            Feitas estas primeiras explicações, como o fato ocorreu no estrangeiro e o seu autor, que é brasileiro, fugiu do local, homiziando-se no Brasil, tem-se em primeiro lugar certeza de que ele jamais será extraditado. Em segundo lugar, ele será “julgado” conforme a lei brasileira (aqui no Brasil, claro), ou seja, como se fosse inimputável por menoridade, sendo a ele aplicáveis as “normas estabelecidas na legislação especial”, o que é dizer, no Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8.069/90). A medida socioeducativa que essa lei prevê ao fato é a internação por um período não superior a 3 anos, decretada, obviamente, por um juiz de Direito.
            Resta saber se a Justiça boliviana acreditará nas palavras desse torcedor inimputável corintiano ou se julgará que se trata de apenas uma medida tendente a evitar a punição dos 12 torcedores brasileiros que foram presos no dia do fato.  E culmine por punir os 12 ou somente alguns deles ou um apenas. Ou nenhum, se não houver prova a tanto.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Matando por amor

Ambas as envolvidas (na verdade eram três: havia um homem no enredo) eram prostitutas, ou seja, mercadejavam – era assim que se dizia antigamente – o próprio corpo, usando-o como fonte de renda. Exerciam “a mais antiga profissão do mundo” (embora não regulamentada até hoje) na zona do meretrício [1] no bairro Jardim Itatinga.             Logo que a minha família veio de mudança para Campinas, o que se deu no ano de 1964, a prostituição era exercida no bairro Taquaral, bem próximo da lagoa com o mesmo nome. Campinas praticamente terminava ali e o entorno da lagoa não era ainda urbanizado. As casas em que era praticada a prostituição, com a chegada de casas de família, foram obrigadas a imitar o bairro vermelho de Amsterdã:   colocar uma luz vermelha logo na entrada da casa para avisar que ali era um prostíbulo. Com a construção de mais casas, digamos, de família,   naquele bairro, houve uma tentativa de transferir os prostíbulos para outro bairro que se formava, mais adiante