Pular para o conteúdo principal

Sexo (até) debaixo d'água


 
                        Um vídeo postado no Youtube em que um casal mantém relação sexual numa praia de Rio das Ostras ganhou as redes sociais e foi replicado à exaustão. Contrariamente ao que se possa pensar, a cópula não foi na areia, mas dentro d'água e ambos estavam em pé, com a água pela cintura. O casal, após o ato, foi levado à Delegacia de Polícia e ali lavrado o “termo circunstanciado de ocorrência”, já que se trata de infração penal de menor potencial ofensivo, alcançada pela lei que instituiu os Juizados Especiais Criminais (lei nº 9.099/95). É que o caso pode tipificar o crime de ato obsceno, classificado como “contra a dignidade sexual” (Título VI da Parte Especial), capitulado como “ultraje público ao pudor” (capítulo VI), com a seguinte dicção: “praticar ato obsceno em lugar público, aberto ou exposto ao público”. A pena cominada é a de detenção, de 3 meses a 1 ano, ou multa.
                        Sem esquecer que o Código Penal, em sua Parte Especial (a que descreve os crimes e comina as penas), é do ano de 1940, tendo entrado em vigor a 1º de janeiro de 1942, sempre houve uma grande dificuldade na interpretação judicial do conteúdo de fato do crime de ato obsceno. Desde logo, pode-se afirmar que há unanimidade num ponto: o ato que se pretende conteúdo do delito há de ser um movimento corporal e que tenha conotação sexual, ou seja, que envolva manifestação de sexualidade, não bastando um mero gesto obsceno (fazer “dedo de ginecologista” [ou urologista], como alguns mal-educados fazem amiúde, no trânsito não é ato obsceno).
                        Essa dificuldade na conceituação pode ser constatada com uma simples “vista d’olhos” no “Manual de Direito Penal”, de Julio Fabbrini Mirabete, volume 2, quando comenta o delito em questão e faz uma resenha dos fatos já julgados, alguns histriônicos: casal que se beijava fogosamente no interior de um veículo. Na década de 70, em alguns lugares do mundo era praticado o “streaking”: uma pessoa “nua em pelo” passava em disparada por um local de grande afluência de público. Lógico que teve repercussão no Brasil e aqui tomou o nome de “chispada pelada”. Alguns outros exemplos catalogados por Mirabete: apalpar as nádegas ou os seios de alguém (com o consentimenro do [a] apalpado [a], pois senão poderá configurar outro ilícito penal: importunação ofensiva ao pudor, quiçá - numa interpretação mais ampla - estupro); andar o travesti com o corpo seminu; e a própria "chispada pelada".
                        Mas o ato que tirou o sono dos aplicadores da lei penal foi a micção praticada por homem em público: como há obrigatoriamente a exibição da genitália, considerava-se ato obsceno. Diz Mirabete: “a micção é ato natural, mas, quando praticada em via pública, com exibição do pênis, é indiscutível que ofende o pudor público, representando conduta censurada pelo consenso comum”(página 458). Fico imaginando como seria possível a micção sem exibição do pênis: somente se fosse feita na calça ou com uma sonda ou um tubo... No meu livro “Casos de júri e outros casos” há o relato de um  processo em que atuei em que a pessoa foi condenada por ato obsceno por estar urinando num terreno baldio.
                        A praia é um lugar público, conformando-se portanto ao tipo penal; a cópula carnal, se feita em público, serve como conteúdo do tipo. Porém, o vídeo não mostra as genitálias, apenas os gestos, o vai-e-vem principalmente do varão envolvido na fornicação. Como se trata de infração penal de menor potencial ofensivo, os envolvidos poderão aceitar a transação penal, com a imediata imposição de pena de multa ou de pena restritiva de direitos, o que impedirá a discussão profunda do fato.
                        Não contente com a repercussão da postagem do vídeo, a mulher fez dois vídeos, um somente com ela, outro com seu atual companheiro (não era o participante do ato...), e postou-os no Youtube. Não fizeram tanto sucesso quanto o inicial; seguem abaixo os links dos três para que os leitores os assistam e tirem as suas conclusões. 
Bom divertimento.

 http://youtu.be/i2O5mInx4YQ

http://youtu.be/tgKFCaXGh38
http://youtu.be/Y6EZ0PscsJg

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Matando por amor

Ambas as envolvidas (na verdade eram três: havia um homem no enredo) eram prostitutas, ou seja, mercadejavam – era assim que se dizia antigamente – o próprio corpo, usando-o como fonte de renda. Exerciam “a mais antiga profissão do mundo” (embora não regulamentada até hoje) na zona do meretrício [1] no bairro Jardim Itatinga.             Logo que a minha família veio de mudança para Campinas, o que se deu no ano de 1964, a prostituição era exercida no bairro Taquaral, bem próximo da lagoa com o mesmo nome. Campinas praticamente terminava ali e o entorno da lagoa não era ainda urbanizado. As casas em que era praticada a prostituição, com a chegada de casas de família, foram obrigadas a imitar o bairro vermelho de Amsterdã:   colocar uma luz vermelha logo na entrada da casa para avisar que ali era um prostíbulo. Com a construção de mais casas, digamos, de família,   naquele bairro, houve uma tentativa de transferir os prostíbulos para outro bairro que se formava, mais adiante