Não
existe no Código Penal, nem nas leis extravagantes (aqui a palavra não tem o
sentido vulgar e sim jurídico: que está vagando fora do lugar que lhe é
próprio, qual seja, o Código – são leis penais também chamadas de “especiais”
ou “específicas”) um crime denominado “pedofilia”.
Algo,
antes de mais nada, deve ser dito acerca da etimologia da palavra pedofilia.
Segundo a enciclopédia interativa Wikipedia, ela deriva do grego e significa,
em apertada sínese, amor, afeição, por crianças. Segundo definição de Croce, é
a atração por crianças, “com os quais os portadores dão vazão pela prática de
obscenidades ou de atos libidinosos”.
Tanto
no Código Penal quanto nas leis extravagantes, é da prática legislativa colocar
ao lado da definição da conduta delituosa o nome do crime que ali está
descrito. Essa anotação lateral é chamada de “rubrica”, não sendo anormal que
ela por vezes venha acima da definição delituosa. O nome do crime é escrito por
alguns autores em latim, “nomen juris”. Confira-se lendo o artigo 121 do Código
Penal: ali está escrito “homicídio”. Idem quanto ao artigo 123: “infanticídio”.
E assim por diante.
Pois
não há no Código Penal nem nas leis penais extravagantes um crime chamado
“pedofilia”, podendo concluir-se que tal epíteto foi criado pela mídia. Dizia
Jorge Luis Borges que “o jornalista escreve para o esquecimento”. Mas não é
isso que parece quando a mídia noticia crimes e talvez por comodismo (se for
perguntado a algum jornalista ele responderá de forma diferente) inventa um
nome. E de tanto repetí-lo – “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”
– o crime passa a ser conhecido por esse nome. A mídia conseguiu no final dos
anos 90 modificar o nome de um delito contra a Administração Pública: de tanto
chamar a “exploração de prestígio” de “tráfico de influência”, na reforma penal
o nome do delito foi modificado.
Pois
bem: em todas as ocorrências policiais em que há uma obscenidade de adulto
praticada contra uma criança a mídia chama de “pedofilia”.
Uma
das ocorrências em que há a prática de ato libidinoso contra criança é o
“estupro de vulnerável”, figura delituosa trazida pela reforma introduzida no
Código Penal pela lei nº 12.015/09 e, de certa forma, ele já existia: era o
crime sexual praticado contra pessoa “não maior de 14 anos”, em que o emprego
de violência era presumido. Essa lei unificou os crimes de estupro e atentado
violento ao pudor (artigos 213 e 214 - este foi revogado). No delito em
questão, a definição, que está no artigo 217-A, é esta: “ter conjunção carnal
ou praticar outro ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos”, com a pena de
reclusão, de 8 a 15 anos.
Outra
das condutas que a mídia classifica como “pedofilia” está no Estatuto da Criança e do Adolescente (lei
nº 8.069/90), mais especificamente no artigo 240, cuja dicção é a seguinte:
“produzir, reproduzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena
de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente”, com pena
de reclusão, de 4 a 8 anos. Outra “pedofilia” está descrita no artigo 241 da
mesma lei: “vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que
contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou
adolescente”, com a mesma pena do artigo anterior. Outra “pedofilia” está no
artigo seguinte (241-A): “oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir,
distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de
sistema de informática ou telemática, fotografia, vídeo ou outro registro que
contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou
adolescente, com pena de reclusão, de 3 a 6 anos. Mais um, o 214-B: “adquirir,
possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de
registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança
ou adolescente”, com a pena de 1 a 4 anos de reclusão. Finalmente, o artigo
241-C: “simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo
explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de
fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual, com pena de
1 a 3 anos de reclusão. Nestes delitos previstos na lei extravagante, não há
rubrica lateral com o nome do delito.
Portanto,
quando a mídia noticiar – e ela o faz com estardalhaço – que alguém foi flagrado praticando “pedofilia”, será preciso ler o texto da matéria para tentar saber em qual artigo da norma penal a conduta poderá ser enquadrada.
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