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A falsa entrevista do PCC




      Nas tardes de domingo a briga pela audiência entre as emissoras de televisão poderia ser chamada de “briga de foice no escuro”: valia tudo. E havia também a programação de fim de tarde, de segunda a sexta, em que pululavam os programas policiais, verdadeiros lixos não recicláveis. Nas tardes de domingo predominava o já decano “Programa do Faustão” e a briga feroz era então pelo (honroso) segundo lugar.
      Nessa época o “partido dos irmãos”, também conhecido por PCC (cuja sigla a mídia tem medo de pronunciar, preferindo referir a ele como “organização criminosa que atua dentro e fora dos presídios”), estava em período de crescimento e alguém da equipe de produção do programa “Domingo legal” teve uma brilhante ideia: entrevistar alguns membros do PCC. Conseguir alguns membros para conceder a entrevista era uma missão impossível e outra brilhante ideia alguém da produção teve: entrevistar pessoas que fingiriam pertencer ao “partido”. Essa parte foi fácil: algumas pessoas, em troca de algum monetário, puseram capuzes e falando numa gíria sórdida desembestaram a dizer bobagens, entre as quais ameaças contra outros apresentadores (Datena e Marcelo Rezende), bem como contra autoridades, Alckmin por exemplo. Ameaças de morte.
      A reação foi instantânea: os apresentadores ameaçados usaram os seus programas para mostrar toda a sua indignação não apenas com a entrevista, mas com a audácia de ter sido apresentado num programa de prestígio e numa tarde de domingo. Passaram vários dias vociferando contra o ocorrido. O diretor do programa tinha se demitido algum tempo antes do fato e o malsinado programa foi dirigido por um vice-diretor, que momentaneamente substituía o titular. Além disso, foi instaurado inquérito policial para a apuração do fato. Tão logo foi instaurado o procedimento, fui procurado pelo diretor-substituto que pretendia contratar-me. Conversamos e propus que era melhor ficar em “stand-by” e tão logo fosse necessário eu entraria em cena. Dada a magnitude do caso, envolvendo ameaças a autoridades, o inquérito tramitou pelo DEIC. Logo se descobriu a trama, tendo sido ouvidos os falsos integrantes do PCC e, não havendo indícios contra a pessoa que me procurara, e sim contra Gugu Liberato, este foi indiciado e depois denunciado na comarca de Osasco, já que a emissora de televisão está nessa comarca baseada.   
      Para me aparelhar à defesa, caso o meu cliente fosse indiciado ou denunciado, fui obrigado a, por pelo menos uma semana, assistir aos programas policiais de fim de tarde, algo que recebi como se fosse uma punição. Como Gugu compareceria no programa da Hebe Camargo, que era veiculado às segundas-feiras à noite, para se desculpar, fui obrigado a assistir também a esse programa: outra punição. O apresentador compareceu porém não se desculpou, como aliás era de se esperar.
      Como o tempo à apuração foi muito longo, o apresentador teve a punibilidade extinta pela prescrição.

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